Título: Supremo casuísmo
Autor: Carlos Roberto Innig
Fonte: Jornal do Brasil, 09/05/2005, Economia & Negócios/ Além do Fato, p. A18

O STF acaba de aceitar posar para a nação carregando nos ombros o mico que lhe foi transferido pelo governo ao legitimar o status de ministro concedido ao presidente do Banco Central. Esperançosamente quatro ministros votaram contra. Imagine-se o alvoroço que a oposição da época teria feito se FHC, em janeiro de 1999, ao invés de demitir Francisco Lopes, tivesse proposto que o Supremo, qual fada Sininho, se prestasse a passar sobre então presidente do Bacen o pó de pirlim-pim-pim que lhe conferisse o direito de voar judicialmente acima de nós, pobres mortais.

Todos sabemos que não se cogitou corrigir uma injustiça hierárquica e dar ao detentor de tal cargo o status compatível às suas responsabilidades. Tratou-se de conferir-lhe às pressas imunidade e foro privilegiado.

Não um foro que lhe aliviasse o incômodo de responder na justiça comum, como qualquer um de nós, sobre uma desavença com um vizinho, ou um acidente de trânsito, ou uma reclamatória da empregada doméstica, ou, quem sabe, a queixa de um empresário ante a asfixiante política-de-juro-mais-alto-do-mundo, que só gera impostos inflacionários para sustentá-la e, conseqüentemente mais juros altos para combater o efeito inflacionário do imposto criado para solucionar a inflação criada pelo juro (coisa de doido!).

O Supremo Tribunal Federal agiu casuisticamente diante de um fato concreto da mais alta gravidade: dar às pressas foro especial a alguém sobre cuja conduta pairam suspeitas tão contundentes que levaram ninguém menos do que a maior autoridade da Procuradoria Geral da República a pedir a quebra do seu sigilo bancário para investigar a possibilidade de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e crime eleitoral.

Ex-presidentes da estatura de Ernani Galveas, Paulo Lira, Carlos Langoni, Gustavo Loyola, Paulo César Ximenes, Pedro Malan, e outros brasileiros que fizeram a boa história do Banco Central, certamente recusariam de pronto esta alquimia que, aos olhos de todos, se presta mais para atribuir, talvez equivocadamente, um carimbo de suspeito a quem aceita carregar tal distinção, em tais circunstâncias.

O ministro relator argumentou que o cargo de presidente do BC merece foro privilegiado porque é mais importante do que o de muitos ministros. Tomara que a moda não pegue. Função por função, se bem exercida, até a do ex-sub-chefe da Casa Civil, Waldomiro Diniz, tinha mais importância do que a de certos novos ministérios.

A verdade é que as suspeitas levantadas pelo Procurador Cláudio Fonteles não têm nada a ver com política. Ao contrário: a contabilidade, como boa filha da matemática, não comporta avaliações subjetivas. Por isto, é intrigante que demorem a aparecer os extratos bancários e contábeis que demonstrem a legitimidade dos atos sob suspeição.

Já que o governo ¿ ainda que em respeito à pregação pela ética sempre feita por seus companheiros ¿ não conseguiu resistir ao constrangimento em nome da salvação do homem que escolheu para comandar tão importante instituição e que este, nem por pudor, não recusou a medida ¿ homenagem que estariam a merecer os funcionários do Bacen, celeiro de competentes e patriotas servidores ¿, espera-se o STF tenha a clarividência de considerar as expectativas do país, sob cujo tapete nada mais comporta, acolher a denúncia e permitir ao denunciado mostrar a todos o status que dele esperamos: o de inocente.