Título: MST retoma calendário de ações
Autor: Daniela Dariano e Julio Calmon
Fonte: Jornal do Brasil, 18/10/2004, Brasil, p. A-5

Passado o primeiro turno das eleições, sem-terra voltam às ocupações. Líder prevê pressão intensificada no campo

Passado o primeiro turno das eleições municipais, depois de uma breve ''trégua'' aos proprietários rurais e ao Planalto, que não precisou enfrentar novos conflitos no campo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra voltou a agir. Líder do MST nacional, João Paulo Rodrigues admite que o período eleitoral ''não é bom para ocupações''. Alega que as atenções, inclusive dos militantes, voltadas para o pleito enfraqueceriam a estratégia de pressionar o governo pela reforma agrária. A partir de agora, ele prevê que não só MST, mas outros movimentos sociais ligados à causa devam intensificar as ações, já que o governo federal não cumpriu a meta de assentar 115 mil famílias este ano.

- Se tanto o governo quanto a população, durante o período eleitoral, estão envolvidos com este tema tão importante, é natural que as bases do MST também estejam debatendo esse assunto - admitiu Rodrigues, negando, contudo, que o MST tenha uma posição partidária.

O líder do MST afirma que ''a luta pela terra não tem data nem calendário, é todos os dias''. Desde que foi iniciada a campanha eleitoral até 3 de outubro, contudo, o movimento suspendeu as ações. A partir dessa data - quando o país elegeu 5.518 dos 5.562 prefeitos brasileiros - até ontem, o MST nacional contabilizava quatro novas ocupações: uma em Santa Catarina, uma na Bahia, uma em São Paulo e outra em Mato Grosso do Sul.

Outros movimentos sociais também retomaram as ações, como o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), responsável por uma invasão de terra em Ribeirão Preto, e o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL), que bloqueou a BR-101 em Pernambuco na semana passada em manifestação pela reforma agrária.

Apenas dois dias depois do primeiro turno das eleições, cerca de 600 famílias do MST ocuparam parte da fazenda Itamarati 2, em Ponta Porã (MS), em protesto contra a implantação de novo modelo de módulos agrícolas na propriedade.

Na semana passada, as ações se intensificaram. Na quarta-feira, no interior da Bahia, o município de Arataca foi palco de ocupação do MST. Na mesma cidade, o ex-líder do movimento José Rainha, cerca de três semanas antes do início oficial da campanha eleitoral, pediu a uma platéia de mais de 250 pessoas no assentamento Terra Vista apoio ''ao companheiro Lula''. Fez defesa do governo federal e pediu para que elegessem ''o maior número de prefeitos e vereadores''.

A assessoria de comunicação do MST desautorizou José Rainha a falar pelo movimento, afirmando que ele ''não é mais uma liderança'', apenas um militante assentado. Sua opinião não representaria a posição oficial do MST.

No mesmo dia em que o município baiano via a retomada de ação do movimento, em Cajamar (42 km de São Paulo) o MST ocupou a fazenda São Luiz, que já fora ocupada antes. Os sem-terra já haviam deixado a mesma fazenda em 10 de setembro, depois da ordem de reintegração de posse. Dessa vez, até quinta-feria, os sem-terra tinham erguido três dormitórios coletivos e um refeitório com lonas plásticas. Alegavam ser área improdutiva. O proprietário nega e diz plantar eucaliptos no local.

Também no Estado de São Paulo, o MLST invadiu a fazenda da Barra, em Ribeirão Preto. Outro grupo, o MTTL, interditou quarta-feira, por quatro horas e meia, a rodovia BR-101 sul, em Pernambuco, entre os municípios de Cabo de Santo Agostinho e Escada (a 50 km de Recife). Os lavradores ergueram uma barreira com pneus velhos nas pistas e atearam fogo. Eles reivindicavam a desapropriação de quatro propriedades rurais em Barreiros, Cabo de Santo Agostinho e Jaboatão dos Guararapes. O congestionamento chegou a três quilômetros. A manifestação só acabou quando a superintendente do Incra de Recife concordou em receber os líderes do MTTL na próxima segunda-feira.

Na madrugada do dia anterior, 200 integrantes do MST invadiram uma fazenda em Abelardo Luz, oeste de Santa Catarina. A propriedade, fazenda Esperança, tem, segundo seus donos, 2.400 hectares e é produtiva, com plantações de grãos e pecuária. O MST contesta. Diz que o local é improdutivo e tem cerca de 6 mil hectares.

- Queremos forçar o governo federal a cumprir a meta de assentamentos que prometeu para Santa Catarina, que é de 600 famílias. Até agora, só 105 receberam terras - justificou Pedro Rocha, da coordenação do movimento.

A assessoria de comunicação do MST nacional explicou que as estatísticas sobre o número de ocupações recentes não são precisas devido à grande ''descentralização'' do movimento.

Tanto o MST quanto outros movimentos sociais afirmam independência em relação ao Planalto e negam que a interrupção das ações tenham representado um voto de confiança no governo e apoio ao PT nessas eleições. Ao JB, em matéria publicada no dia do primeiro turno das eleições, contudo, lideranças chegaram a defender abertamente o fortalecimento da base de esquerda do governo, em especial o PT.

O cientista político Cesar Romero, da PUC-RJ, acredita que, para o MST, era importante eleger simpatizantes da causa, seja do PT ou de qualquer partido de esquerda. Classifica a estratégia dos sem-terra de ''cálculo político''.

- O segundo turno só ocorre em cidades grandes (por lei, com 200 mil habitantes ou mais). Nesse caso, já se sentem liberados para atuar no interior - explica.

João Paulo Rodrigues tem outra explicação para o fato de as ocupações prevalecerem em municípios que não têm segundo turno:

- Nas grandes capitais não têm latifúndio improdutivo - resume.