Título: Romper a desconfiança mútua foi o desafio
Autor: Liliana Lavorati
Fonte: Jornal do Brasil, 10/05/2005, Internacional, p. A10

Para o ex-presidente do Uruguai Julio María Sanguinetti a reconstrução da democracia no Cone Sul, nos anos 80, também afastou a possibilidade de conflito armado entre o Brasil, Argentina e Uruguai. Mas muitos desafios ainda precisam ser superados. Segundo Sanguinetti, as economias desses países estão abertas e competitivas, porém o trabalho político não está concluído. ¿ Estamos longe da produtividade do mundo desenvolvido, e a educação tem sintomas de desigualdade social ¿ afirmou, enfatizando a importância de os atuais governos incorporarem a visão da sociedade de conhecimento, que torna as nações mais ou menos ricas. ¿ O projeto democrático só contará avanços consideráveis se contemplarmos na educação a perspectiva de participarmos dessa sociedade ¿ destacou.

Para o ex-presidente da Argentina, Raúl Alfonsín, uma das saídas é fortalecer o Mercosul. Segundo ele, é responsabilidade do governo achar um novo meio de impulsionar o processo integrador da região, e a população desses países têm de refletir sobre isso. Para ele, o Mercosul deveria se fortalecer para possibilitar a Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai crescerem juntos para enfrentar desafios tecnológicos, de competitividade global, do narcotráfico e as negociações comerciais internacionais.

¿ A integração é um meio de fortalecer a democracia, enfrentar a dívida externa e modernizar as economias ¿ disse.

Para Sanguinetti, o futuro do Mercosul depende da correção das acentuadas assimetrias e da coesão das políticas macroeconômicas dos países.

¿ O núcleo decisivo das relações entre os sócios é a coordenação dessas políticas.

O ex-presidente José Sarney crê que o Mercosul ainda vai levar ¿uns 50 anos¿ para atingir o nível de associação europeu. O bloco vive desafios similares aos dos primórdios da União Européia, que levou décadas para a construção.

¿ Os países sempre nutriram desconfiança mútua por causa da nossa herança ibérica de disputas. Mas eu e Alfonsín decidimos mudar as relações e isso foi feito ¿ disse. Sarney reconheceu que o Brasil cometeu falhas no relacionamento com seus parceiros. Negou que o país queira a hegemonia na região, mas uma ¿relação complementar¿.

Para o mediador, embaixador Rubens Ricupero, apesar de declarações otimistas, a relação não está na melhor fase. A falta de consenso sobre o candidato à Organização Mundial de Comércio (OMC) e uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, além de ¿declarações desnecessárias¿, azedaram as relações. Para Ricupero, os atuais presidentes deveriam se espelhar no exemplo de duas décadas, quando o empenho de seus antecessores quebrou a desconfiança mútua.

Alfonsín lembrou da decisão de Sarney, o ¿arquiteto da integração¿, que tomou a iniciativa de aproximar as duas nações. Citou o convite do brasileiro para visitar a usina de Itaipu, na época era o ponto de atrito na relação com a Argentina. O convite foi posterior à decisão bilateral de revelação de segredos de tecnologia nuclear, marco do processo de aproximação. Segundo Sarney, o episódio teve peso histórico relevante, já que as Forças Armadas de ambos os países tinham interesses autônomos de desenvolver bombas atômicas. A iniciativa partiu de Alfonsín, que o convidou para ver projetos militares.

Como retribuição, o brasileiro levou Alfonsín a Aramar (SP), para ver a base de enriquecimento de urânio. O evento marcou a mudança no relacionamento.

¿ O conflito com a Argentina não tinha justificativa. Por isso, resolvemos destruir os pontos de atrito ¿ disse Sarney.

As crises monetárias e cambiais provocaram também grande instabilidade, embora a pacificação tenha sido consolidada, lembrou Sanguinetti.

¿ Infelizmente, ainda não temos mecanismos para enfrentar as conseqüências negativas da globalização financeira.

Para Sarney, mesmo com a melhora recente de indicadores macroeconômicos, o país nunca mais conseguiu repetir as variáveis do final dos anos 80. Sanguinetti lembrou que as maxidesvalorizações cambiais no Brasil (1999) e na Argentina (2002) tiveram severos desdobramentos para a economia uruguaia, quarenta vezes menor que a brasileira.

¿ Foi um cataclismo ¿ disse.