Título: Bebês poderão ter duas mães e um pai
Autor: Antony Barnett e Robin McKie
Fonte: Jornal do Brasil, 18/10/2004, Internacional, p. A-9

Método busca prevenir que progenitora passe doenças a filho

Cientistas aguardam permissão para levar adiante experimentos que criarão uma criança com três pais. Mais precisamente duas mães e um pai biológicos. As autoridades médicas têm certeza que, em algumas semanas, terão a licença para a experiência, cujo objetivo é evitar que mães passem doenças degenerativas para seus filhos.

- Ao criar uma criança com três pais genéticos, estes cientistas darão o primeiro passo para a engenharia genética de humanos. Esta não é uma direção em que deveríamos estar indo - alerta David King, diretor da organização Human Genetics Alert.

A tecnologia desenvolvida pela Universidade de Newcastle combina um óvulo de uma doadora com o núcleo do embrião de uma mãe com doença degenerativa.

As células carregam corpos cilíndricos chamados mitocôndrias, que contêm enzimas que participam das reações de respiração celular. Estes corpos são fundamentais no fornecimento de energia para das células, e conseqüentemente para as células do feto, mas em alguns casos, quando funcionam de maneira defeituosa, podem passar, por meio de seu DNA, doenças da mãe para filho.

A princípio, isso não deveria acontecer porque o feto têm seus próprios genes, independentes dos da mãe. Mas as mitocôndrias defeituosas podem passar até 50 tipos de doenças degenerativas para o bebê.

- Hoje não há cura para estas crianças, que passam a vida toda muito doentes - explica o neurologista Doug Turnbull, que junto à embriologista Mary Herbert, defende que ao implantar o núcleo do embrião de uma mãe (com a mitocôdria defeituosa) no óvulo de uma mãe saudável, o feto não correrá riscos.

A equipe acredita que a técnica para este tratamento estará completamente desenvolvida em três anos.

Apesar da possibilidade de se impedir a transmissão destas doenças, muitos grupos ingleses estão preocupados com as questões éticas.

O cientista americano Jamie Grifo, da Universidade de Nova York, fazia pesquisas similares e teve suas experiências proibidas. Hoje ele trabalha na China na elaboração da técnica. No primeiro teste em humanos, uma mulher ficou grávida de duas crianças, mas as perdeu com seis meses de gravidez.

King avisa que a manipulação dos embriões é muito arriscada para a futura criança.

Patrick Cusworth, do grupo Life, condena o trabalho e diz que se levantará a questão de quem é a verdadeira mãe.

- Nós estamos muito preocupados com a segurança do embrião e da criança nascida por meio deste método. E também nos preocupamos com o uso abusivo que alguns cientistas podem fazer das pesquisas e seus resultados.

Mas os argumentos de Cusworth são combatidos por Paul Preston, da Rede de Doenças por Mitocôndria em Crianças.

- Esta pesquisa nos dá esperança e pode ser uma passo adiante para a ciência - diz Preston, que tem três filhos com doenças degenerativas. - Ninguém que não viva com uma criança que não conhece o ambiente em que vive, que não pode se mexer e que só come ou bebe por meio de tubos pode entender o sofrimento que estas doenças causam. Não se trata de engenharia genética, mas de parar com o sofrimento das crianças.