Título: As 'caneladas' do presidente argentino
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 11/05/2005, País, p. A3

Apesar das explicações oficiais, o Itamaraty diz que o presidente argentino sempre dá um jeito de dar uma ''canelada'' no Brasil, ou faltando a encontros importantes, ou fazendo suspense ou, como ontem, largando tudo pela metade.

Em seqüência, o presidente argentino faltou à reunião do Grupo do Rio (de países da América do Sul e do Caribe), em novembro passado, no Rio, e depois à de Cuzco (Peru), em que foi criada a Comunidade Sul-Americana de Nações - um projeto principalmente articulado pelo Brasil, como ampliação estratégica do Mercosul.

Em dezembro, Kirchner voltou à carga, evitando até a última hora confirmar se viria ao Brasil ou não para uma reunião de presidentes em homenagem ao próprio Mercosul, em Ouro Preto (MG). Veio, mas deixou os companheiros esperando-o por quase duas horas.

As duas últimas ''caneladas'' - como os diplomatas vêm chamando as seguidas provocações do presidente do país vizinho -, foram dadas indiretamente. O próprio Bielsa não compareceu à reunião de chanceleres sul-americanos, no Itamaraty, no mês passado. Também não integrou o grupo de quatro países (Brasil, Peru, Bolívia e Argentina) que foi ao Equador se informar sobre a evolução da crise política. A idéia de mandar a missão foi do chanceler brasileiro, Celso Amorim, que havia combinado a ida de Bielsa em mais de um telefonema. Na última hora, Bielsa declinou do convite. Na avaliação da chancelaria brasileira, foi uma determinação de Kirchner, como retaliação ao Brasil.

Apesar dos desgastes, a decisão de Lula e dos mentores da política externa é não retaliar nem ''responder à altura'', usando sempre o argumento de que o país vizinho está saindo de uma crise econômica grave, tem uma economia bem mais frágil do que a brasileira e, além de tudo, é fundamental para o Mercosul. Sem Argentina, não há Mercosul. Sem o Mercosul, o Brasil perde uma importante alavanca na sua intenção de ocupar espaço de liderança mundial.

Ontem, a versão oficial era que, apesar da saída inesperada de Kirchner, os entendimentos com a Argentina avançaram, sobretudo durante o jantar na Granja do Torto. O secretário especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, argumentou que o presidente Lula já fez o mesmo em outros encontros desse tipo. Chamou a atenção para a partida do presidente chileno, Ricardo Lagos, também ontem.

- Isso não tem importância nenhuma. Ninguém está dizendo, por exemplo, que

o presidente Lagos está saindo também - argumentou Marco Aurélio Garcia.

Com Folhapress