Título: Não vai acontecer nada
Autor: Villas-Bôas Corrêa
Fonte: Jornal do Brasil, 11/05/2005, Outras Opiniões, p. A9
Não estamos propriamente diante de uma novidade, mas talvez valha a pena prestar atenção na mais explícita aula prática sobre o seu estilo de governo que o catedrático presidente Luiz Inácio Lula da Silva ministra em etapas encadeadas. Com a vantagem extra de que a lição está no meio, falta a prova dos noves da conclusão. Para seguir o programa e não pegar o trem disparado entre estações, vamos começar puxando o fio da meada. No primeiro ensaio de entrevista coletiva à imprensa - no arranjo controlado que limitou a rápida intervenção dos felizardos sorteados para o privilégio de fazer uma única pergunta ao presidente, sem a impertinência de réplica, mesmo no caso da resposta ser insatisfatória, equivocada ou insuficiente - Lula bateu no peito as pancadas do arrependimento por três erros cometidos nos dois anos e quatro meses de mais da metade do mandato.
Nenhum pecado mortal. No mais complicado e revelador escorregão, a exigir explicações com volteios e acrobacias, confessou o desconforto pelo fracasso da firme determinação de recuperar a rede rodoviária em pandarecos. Bom de improviso como se sabe, amaciou os bolos da palmatória na mão estendida com outros dos truques do seu repertório: poucos, como ele, conhecem tão bem a extensão e gravidade de 75% das estradas em abandono, com a buraqueira dobrando o tempo das viagens, arrebentando com a suspensão de caminhões, ônibus e automóveis com risco para os passageiros e imensos prejuízos com a demora na entrega da carga e a deterioração de gêneros perecíveis.
Para não ficar dúvida quanto ao seu conhecimento da situação caótica do transporte rodoviário, exibiu a sua credencial: como principal atração da Caravana da Cidadania, percorreu nada menos do que 90 mil quilômetros de estradas, a maior parte em petição de miséria.
No fecho, enrolou explicações e pulou com esperta ligeireza para a promessa que o governo vai chamar o Ministério dos Transportes aos brios e começar, sem mais atraso, a refazer as pontes derrubadas pelas enchentes, tapar as crateras, reparar os estragos no asfalto esburacado e ativar as obras iniciadas em novas e grandes rodovias.
Mais não disse nem era permitido perguntar-lhe. Com a repercussão da entrevista, que ganhou ampla cobertura da mídia, o debate chegou à tribuna do Congresso, com tempo sobrando com a paralisação das votações pela bagunça da era Severino e a incompetência política do governo.
Pouco a pouco baixou o rumor e voltou o silêncio. Aqui e acolá, a bisbilhotice dos entendidos e dos interessados provoca o governo com a simples lembrança de evidências. Ou do estilo do governo do presidente Lula.
Verbas não faltaram: sobraram com a inépcia do Ministério dos Transportes, sumiram-se nos alçapões dos cortes, no fosso sem fundo dos contingenciamentos. Sem que ninguém no governo tomasse qualquer iniciativa para cobrar do ministro e dos órgãos responsáveis o compromisso assumido pelo presidente - desligado, distante no seu mundo de candidato à reeleição, enterrado até o gogó na campanha em tempo integral.
Na verdade não é a campanha a responsável pelo absurdo de desperdício e de insensibilidade. Mas, o estilo do governo Lula. O maior líder sindical do Brasil viciou-se com o sucesso da sua trajetória fulminante como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, que o catapultou à liderança nacional do movimento sindical, berço do PT. Daí para a ascensão foi um salto com os tropeços de três derrotas antes da eleição com mais de 52 milhões de votos no segundo turno.
Na travessia, como deputado por São Paulo com meio milhão de votos, Lula passou pela experiência parlamentar e pela Constituinte de 86-87 com o enfado da confessada inadaptação.
Na mais da metade do mandato presidencial o desajuste reflete-se na barafunda da administração, nas dificuldades do governo. Lula não gosta, não sabe administrar. Nem quer aprender porque pensa que sabe. Toca o governo como dirigiu sindicato: o assembleísmo murchou para as reuniões do monstrengo ministerial; a vaidade do comunicador fluente e carismático carimba o governo oral.
E que não está dando certo. O ministro José Dirceu alçado à eminência de virtual presidente em exercício não é presidente.
O governo à matroca afoga-se em crise. Anuncia todo dia que vai começar amanhã.
Não vai acontecer nada.