Correio Braziliense, n. 20738, 03/03/2020. Política, p. 2

Poderes negociam vetos presidenciais.

Rosana Hessel


O presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), marcou para hoje sessão conjunta a fim de analisar oito vetos na pauta do parlamento. O mais polêmico é o veto presidencial 52, a respeito do orçamento impositivo, novidade que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Senado e Câmara ainda estão divididos sobre o assunto. Até as 23h de ontem, Alcolumbre estava reunido com parlamentares e ministros na residência oficial do Senado, no Lago Sul, para estabelecer o encaminhamento dos vetos. Participavam do encontro o general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo; o deputado Domingos Neto (PSD-CE), relator do Orçamento; o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE); o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM); e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que chegou ontem à noite da Espanha para a reunião. Nenhum acordo havia sido definido até o fechamento desta edição.

Pela nova regra do orçamento impositivo, o Legislativo ganha mais poder na escolha dos gastos discricionários (não obrigatórios), deixando o Executivo com poucos recursos para remanejar e entregar uma meta fiscal deficitária em até R$ 124,1 bilhões neste ano. O veto 52 derruba 10 dispositivos na lei orçamentária, entre eles, o que dá poderes para o relator escolher a prioridade para mais R$ 30 bilhões dos gastos discricionários com emendas parlamentares, além dos atuais R$ 16 bilhões. Assim, parlamentares passarão a controlar R$ 46 bilhões das despesas não obrigatórias previstas no orçamento deste ano, que somam R$ 126 bilhões, conforme os dados do Tesouro Nacional.

O governo entende que a derrubada do veto limita a gestão de recursos pelo governo e pode travar a execução orçamentária, apesar de o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, afirmar que o dispositivo não seria um problema para o cumprimento da meta fiscal. Mas a defesa da manutenção do veto está ganhando apoio da oposição e de parlamentares que costumam ter opiniões divergentes. “Do ponto de vista político, esse avanço do Congresso na matéria orçamentária ocorre em virtude do enfraquecimento do Poder Executivo na tarefa de articulação. Desde 2015, ocorre esse movimento”, avaliou o economista Leonardo Ribeiro, assessor parlamentar do senador José Serra (PSDB-SP). O tucano já declarou voto favorável à manutenção do veto. “Do ponto de vista técnico, a medida é ruim, porque aumenta os gastos obrigatórios do orçamento, elevando a rigidez orçamentária. Além disso, compromete a qualidade do gasto público”, destacou Ribeiro.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), reforçou que pretende votar pela manutenção do veto. “Não é missão constitucional do Parlamento, em todos os níveis, a execução das ações constantes do orçamento”, afirmou a presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Segundo ela, a maioria dos integrantes da bancada do MDB votará sim ao veto. Na manhã de hoje, inclusive, haverá uma reunião para aparar as arestas entre os integrantes da legenda. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi outro a se manifestar a favor do veto 52 nas redes sociais, como fez Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

O secretário-geral da associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, lembrou que um dos dispositivos é ainda mais draconiano, porque impõe um prazo de 90 dias para a realização do empenho desse recurso dentro das previsões de despesas do governo federal. Para ele, o orçamento impositivo não deve se sustentar, do ponto de vista técnico. “Há críticas veementes. Na Agricultura, por exemplo, sem considerar as ‘programações condicionadas’ ( sujeitas ainda à aprovação do Congresso), a verba discricionária é de R$ 812,7 milhões. Apenas as emendas do relator para a Agricultura somam R$1,4 bilhão! Ou seja, o deputado Domingos Neto teria mais recursos do que a ministra Tereza Cristina”, destacou. “Em um orçamento que descumpre a regra de ouro pelo segundo ano seguido com o governo tendo que pedir ao Congresso para se endividar para pagar gastos de custeio, a imposição dessas emendas é uma excrescência. O veto precisa ser mantido naturalmente”, defendeu.

De acordo com técnicos do Legislativo, existe uma divisão clara entre Senado e Câmara sobre o tema. No Senado, 25 dos 81 parlamentares são favoráveis à derrubada do veto. Na Câmara, no entanto, a questão ainda não está totalmente definida entre os 513 deputados. A expectativa é de que Maia bata o martelo com líderes sobre o encaminhamento do veto durante encontro pela no café da manhã na residência oficial. De acordo com Leonardo Ribeiro, se a Câmara derrubar e o Senado mantiver o veto, ele será mantido.

Fora da agenda

Ontem, Alcolumbre teve um encontro fora da agenda com o ministro da Economia, Paulo Guedes, na residência oficial do Senado. Ambos combinaram que a reforma administrativa deverá ser encaminhada ao Congresso apenas em abril (leia mais na página 3). Além disso, acordaram um esforço conjunto da equipe econômica com o Legislativo para avançar na reforma tributária na comissão mista e fechar o texto da proposta até o fim do mês.

Após a reunião com Guedes, o senador foi ao Palácio do Planalto. Encontrou-se com o presidente Bolsonaro a fim de tentar aparar as arestas entre o Legislativo e o Executivo. Segundo interlocutores, o objetivo do encontro foi externar o descontentamento de Alcolumbre acerca de ataques contra a democracia e ao Congresso e deixar claro que esse tipo de postura não será mais tolerada. De acordo com fontes próximas ao senador, ele explicitou ao presidente o repúdio às declarações e ao compartilhamento de vídeo sobre a manifestação marcada para o dia 15. Bolsonaro voltou a dar a justificativa de que o vídeo era de 2015, mas não convenceu o chefe do Congresso.

Alcolumbre ainda não havia conversado com Bolsonaro desde as declarações do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), sobre o Congresso. No encontro, também trataram sobre a questão do orçamento impositivo. “As declarações do general Heleno e a convocação da manifestação contra o Congresso no dia 15 replicada pelo presidente Jair Bolsonaro acirram a relação entre o Executivo e o Legislativo que já era conturbada, para dizer o mínimo”, disse Gil Castello Branco. “O general Heleno e o presidente Bolsonaro colocaram uma lata de gasolina na fogueira. Politicamente, passou a ser possível a derrubada do veto, o que deixará o governo em uma situação muito difícil, sob o ponto de vista orçamentário. No Senado, porém, há perspectivas da manutenção do veto”, destacou. (Colaboraram Ingrid Soares e Jorge Vasconcellos)