O Estado de S. Paulo, n. 46620, 08/06/2021. Política, p. A5

Taxa de governismo de deputados foi, em média, de 87%

André Shalders


Parlamentares contemplados com a possibilidade de direcionar verbas do orçamento secreto – que disponibilizou pelo menos R$ 3 bilhões ao Congresso em 2020 – votaram, no ano passado, conforme a orientação do Palácio do Planalto em média 87,6% das vezes, segundo dados públicos da Câmara dos Deputados.

Os números indicam que esse grupo não tinha a mesma fidelidade ao governo em 2019, quando não havia distribuição de recursos da chamada emenda de relator, base do orçamento secreto. No primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro, os deputados do “tratoraço” votaram com o governo em 54,1% das vezes. Os parlamentares que não foram contemplados com as emendas acompanharam a orientação governista em 62,5% das ocasiões, na média, em 2020.

O levantamento considera os votos dos 282 deputados listados no orçamento secreto e que participaram de pelo menos uma votação nominal no ano de 2020. O Estadão analisou 346 votações nas quais o governo expressou uma posição – sim ou não. As ocasiões em que o governo liberou a base não foram levadas em conta.

Os nomes dos parlamentares do orçamento secreto constam de um documento interno do governo revelado pelo Estadão em janeiro. A planilha mostra uma parte das negociações do governo para obter apoio político, usando o dinheiro das emendas de relator na modalidade RP 9. Esse documento não é público. Numa espécie de “controle interno” informal da articulação política, o papel lista qual congressista indicou o quê, em qual valor e para qual município.

O Ministério do Desenvolvimento Regional e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), uma estatal loteada por políticos do Centrão, têm sido o atalho preferencial de deputados e senadores para direcionar obras, como pavimentação asfáltica e instalação de poços artesianos, e comprar máquinas pesadas, como tratores e retroescavadeiras, para municípios estratégicos a suas reeleições.

O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, deve prestar depoimento hoje na Câmara para explicar o orçamento secreto.

Transparência. Todos os anos, deputados e senadores apresentam modificações ao Orçamento por meio de diferentes tipos de emendas: individuais (RP 6), de bancada (RP 7) e de comissões (RP 8). Em todos os casos, a distribuição do dinheiro é equânime entre os congressistas, e as indicações podem ser rastreadas por mecanismos de transparência. Mas isso não acontece com as emendas de relator-geral: estas foram definidas por um acordo político, o que contraria a Constituição e leis orçamentárias.

O caso está sendo apurado no Tribunal de Contas da União (TCU). Entre as possíveis irregularidades citadas pela área técnica está o eventual uso das emendas de relator para comprar votos no Congresso. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) proíbe a utilização das emendas para influenciar decisões de outro poder.

Articulação. As negociações com os parlamentares em 2020 estavam a cargo da Secretaria de Governo (Segov) da Presidência, então comandada pelo general Luiz Eduardo Ramos, hoje ministro da Casa Civil. Na Segov, o número dois da pasta, o secretário executivo Jônathas de Castro, era quem conversava com os políticos para definir a liberação do dinheiro. Sua agenda pública mostra que ele continuou recebendo parlamentares em 2021, quando as emendas de relator-geral somam R$ 18,5 bilhões.

Questionada, a Casa Civil disse que o papel da Segov é “assistir diretamente o presidente da República na condução do relacionamento do governo federal com o Congresso e com os partidos”. “Como secretário executivo, é da natureza do cargo (de Jônathas de Castro) o atendimento a parlamentares de todos os partidos políticos que almejem (sic) ter relação com o governo federal”, afirmou a pasta.