O Estado de S. Paulo, n. 46620, 08/06/2021. Política, p. A5

Governo distorce trecho de reportagem da 'Economist'



O governo Jair Bolsonaro distorceu, anteontem, a reportagem de capa da revista inglesa The Economist, que trata da pandemia no Brasil, e acusou a revista de sugerir o assassinato do presidente para superar a crise. Para desqualificar a publicação, uma das de maior prestígio internacional, o Palácio do Planalto atribuiu à revista uma suposta tentativa de “interferir em nossas questões domésticas” e fazer apologia a um golpe das Forças Armadas contra Bolsonaro.

A Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) fez uma série de 23 postagens no Twitter distorcendo o conteúdo da reportagem “É hora de ir embora”, cuja tradução foi publicada pelo Estadão.

“A narrativa do texto, em suma, é a seguinte: o presidente seria um ditador que estaria matando o próprio povo; seus apoiadores estariam dispostos à guerra civil e o Exército estaria disposto a intervir caso o presidente perca as próximas eleições”, diz uma das mensagens.

“Segundo a tradução replicada pelo Estadão, aqui utilizada, The Economist chega a afirmar que a solução seria eliminar o presidente: ‘A prioridade mais urgente é eliminá-lo’, afirmam. Vejam bem: não falam apenas em vencer nas urnas, superar, destituir. Falam em eliminar. Estaria o artigo fazendo uma assustadora apologia ao homicídio do presidente?”.

A interpretação do governo omite o contexto da reportagem, que é uma projeção da situação atual do País, com reflexos econômicos sociais e políticos do descontrole da covid-19, e a futura disputa eleitoral de 2022. No texto, a expressão “eliminá-lo”, que encerra o artigo, é usada no contexto das eleições presidenciais, sem referência a atos violentos ou apologia a crime – a eliminação seria nas urnas. “Será difícil mudar o curso do Brasil enquanto Bolsonaro for presidente. A prioridade mais urgente é eliminá-lo”, diz o texto traduzido. A expressão original, em inglês, é: “The most urgent priority is to vote him out” – que deixa clara a vinculação de derrotar o presidente por meio do voto.

Nas mensagens, que citam dados distorcidos sobre vacinação e o auxílio emergencial, a Secom desqualifica a reportagem e afirma que o artigo é “insano, não tem credibilidade nem ética”. O governo afirma que a publicação repete um discurso de “viés histriônico e oposicionista”, e teria, segundo a interpretação governista, o objetivo de influenciar os rumos políticos do Brasil e, por isso, atentaria contra a “autonomia” do País.