O Globo, n. 32796, 23/05/2023. Política, p. 7

TRF-4 afasta juiz da Lava-Jato que acumula polêmicas no PR

Nicolas Iory


A Corte Especial Administrativa do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) determinou ontem o afastamento das funções do juiz Eduardo Appio, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele é suspeito de ter telefonado e ameaçado o filho de um desembargador do próprio TRF-4.

Afastado, o magistrado terá prazo de 15 dias para apresentar sua defesa. Ele precisará entregar o computador desktop, o notebook e o celular funcional que estava utilizando desde que assumiu o cargo, em fevereiro.

A Corte apura se Eduardo Appio tem alguma relação com um telefonema anônimo com ameaças recebido pelo advogado João Eduardo Malucelli. Este é filho do desembargador Marcello Malucelli, magistrado que recentemente reformou uma decisão de Appio e, na prática, restabeleceu a ordem de prisão ao operador financeiro Tacla Duran, como informou a colunista do GLOBO Bela Megale.

O filho do desembargador João Eduardo Malucelli é sócio do ex-juiz Sergio Moro e da sua esposa Rosangela Moro em um escritório de advocacia em Curitiba. No telefonema que o advogado recebeu, do outro lado da linha, o interlocutor pergunta:

— O senhor tem certeza de que não tem aprontado nada? —e depois encerra.

Defesa preliminar

“Em resposta, a Polícia Federal remeteu ao TRF-4 laudo pericial dando conta de que, a partir da comparação da voz do interlocutor da ligação suspeita com a voz do juiz federal Eduardo Fernando Appio, se “corrobora fortemente a hipótese” de que a voz presente no vídeo que gravou a ligação telefônica recebida pelo filho do desembargador federal (...)”, diz trecho do documento do TRF-4

Após o juiz apresentar sua defesa preliminar, a Corregedoria avaliará a necessidade de abrir um processo administrativo disciplinar contra ele. Isso, porém, precisará do aval do mesmo colegiado que proferiu a decisão desta segunda-feira no TRF-4.

Desde que assumiu o posto antes ocupado pelo agora senador Sergio Moro (União-PR), Appio acumula uma série de reveses no TRF-4. O Tribunal reverteu decisões do juiz em casos envolvendo o advogado Rodrigo Tacla Duran, o ex-deputado Eduardo Cunha, o ex-doleiro Alberto Youssef e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral.

Acesso ao sistema

Ontem, em entrevista à GloboNews, Appio admitiu que usava o login LUL22, em alusão de apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para acessar o sistema da Justiça. O petista ficou encarcerado na sede da Superintendência da PF do Paraná entre 2018 e 2019 em decorrência de uma decisão tomada por Moro, de quem Appio é crítico, e confirmada pelo TRF-4 e pelo STJ no processo do triplex do Guarujá.

A informação de que o novo juiz da Lava-Jato usava a sigla LUL22 como login foi publicada pelo blog da colunista Malu Gaspar, do GLOBO, em fevereiro passado. Na ocasião, o magistrado da Lava-Jato afirmou somente que não poderia se manifestar por “questões de segurança cibernética”. E completou: “Mas afianço que não há qualquer vínculo ideológico ou partidário (com Lula)”.

O Ministério Público Federal vinha pedindo que o juiz se declarasse impedido de julgar os processos da operação por manifestações políticas.

Derrotas e quedas de braço
> Doação de campanha

Eduardo Appio teve seu nome divulgado na lista de doadores da campanha presidencial de Lula. O juiz nega. Segundo dados do site do Tribunal Superior Eleitoral, ele teria repassado R$ 13.

> Senha alusiva a Lula

Appio usava uma identificação eletrônica alusiva à campanha de Lula no sistema processual da Justiça. Nele, até assumir o comando da Lava-Jato, o juiz assinava como “LUL22”.

> Decisão suspensa

Em março, o TRF-4 suspendeu decisão de Appio que obrigava o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha a entregar à Justiça seis carros bloqueados pela Lava-Jato.

Em março, o TRF-4 suspendeu decisão de Appio que obrigava o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha a entregar à Justiça seis carros bloqueados pela Lava-Jato.

> Disputa

O doleiro Alberto Youssef foi solto, também em março, por decisão de Appio, após queda de braço com o desembargador Marcelo Malucelli. Ele tinha sido preso por ter deixado de devolver aos cofres públicos valores fixados pela Justiça.