O Globo, n. 32796, 23/05/2023. Economia, p. 11

Semana decisiva

Manoel Ventura


O projeto do novo marco para as contas públicas, que vai substituir o teto de gastos, entrou em uma semana decisiva na Câmara dos Deputados. Uma reunião de líderes partidários definirá se o texto será votado hoje ou amanhã e também a versão final do projeto. O arcabouço fiscal vai passar por “ajustes de redação” para tentar eliminar a percepção de que a nova versão da proposta cria espaço para o governo gastar mais nos próximos anos, disseram ontem o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o relator do projeto, deputado Cláudio Cajado (PP-BA).

O maior foco de pressão na Câmara —especialmente de parlamentares do chamado Centrão —está em um dispositivo inserido por Cajado, que fixou uma alta real de 2,5% nas despesas em 2024. Esse é o limite máximo para o aumento de despesas acima da inflação previsto na regra fiscal. Junto com uma mudança no cálculo da inflação, essa medida vai ampliar os gastos no próximo ano. Agentes do mercado financeiro calculam que o extra chegaria a R$ 80 bilhões, o que é contestado pelo relator e pelo governo. Ambos estimam que as despesas aumentariam de R$ 10 bilhões a R$ 20 bilhões em relação ao projeto do governo.

—Nós vamos clarear essa questão para não dar a entender que o relatório do meu substitutivo vai dar mais R$ 80 bilhões. Nunca deu essa conta. É uma conta que criou ruído, e nós vamos encontrar a redação que deixe claro que não está se dando absolutamente nada nesse sentido como possibilidade — afirmou Cajado, após se reunir com Haddad.

Impacto da inflação

A conta de até R$ 80 bilhões foi feita pelo ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments, e reflete duas mudanças feitas no relatório por Cajado.

Pela regra do arcabouço fiscal, as despesas podem subir o equivalente a 70% da alta real das receitas, respeitando o intervalo de 0,6% a 2,5% (acima da inflação). O relatório estabelece porém que, em 2024, essa alta será de 2,5%, independentemente da arrecadação. Como a previsão de diversos especialistas é que as despesas subiriam abaixo desse teto, a diferença configura um gasto extra para o governo.

Outra mudança que leva ao aumento de gastos é com relação ao cálculo da inflação. O relatório de Cajado determina que a inflação usada para corrigir os gastos seja a calculada num período de 12 meses até junho do ano anterior. Caso o IPCA do ano fechado seja maior, o relator permitiu que a diferença pode se tornar expansão de despesas. Os cálculos dos economistas para 2024 se baseiam no fato de que já se sabe que a inflação de 2023 (de janeiro a dezembro) será maior do que o índice registrado em 12 meses até junho de 2023.

— Quando eu falo em deixar mais claro, estou querendo dizer isso: só deixa mais claro. Pode promover pequenas alterações que impedem a má interpretação que às vezes é feita de um dispositivo, sobre o quanto isso significa —disse Haddad, quando perguntado sobre a manutenção da alta de 2,5% acima da inflação no ano que vem.

Além disso, há pressão de parlamentares para excluir o Fundeb (fundo de financiamento da educação básica) do limite de gastos do arcabouço. Lideranças do Senado, onde o projeto será analisado depois, também já sinalizaram a intenção de tirar o Fundeb. Na proposta original da Fazenda, essa despesa ficava fora da regra fiscal.

Sem mudanças no mérito

O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, disse ontem que o fim do Fundeb como exceção ao limite de gastos consome espaço no Orçamento. Como se trata de uma despesa obrigatória, ela não pode ser cortada, mas toma espaço de outras áreas.

— A questão do Fundeb tem um equívoco, é uma despesa obrigatória. O Fundeb dentro da base colabora para que ocorra aumento real dessa despesa — defendeu o relator.

— Novas alterações podem afetar o equilíbrio do texto. Nós vamos aceitar as emendas que forem melhorar a redação.

O projeto recebeu até agora 40 emendas de deputados. São diversas propostas para alterar o texto, e Cajado sinaliza aceitar apenas alterações de redação, sem mudanças no mérito. O governo quer blindar o texto e evitar mudanças significativas no projeto.

Mesmo com críticas de partidos de esquerda e centro-esquerda ao texto, o governo avalia que não deve forçar mudanças na proposta. O temor é que isso acabe levando a um efeito contrário e aperte ainda mais a regra. A expectativa, porém, é que alguns destaques, especialmente do Novo e do PSOL, sejam votados separadamente durante a análise do projeto.