Título: No Rio, o papa do novo jornalismo
Autor: Vivian Rangel
Fonte: Jornal do Brasil, 12/05/2005, Rio, p. A17

Tom Wolfe chega para a Bienal do Livro e diz que pensa em escrever um livro sobre a cultura brasileira

Uma das presenças mais aguardadas da 12ª Bienal Internacional do Rio que começa hoje, o escritor Tom Wolfe afirmou, em sua primeira entrevista no Rio, que tem planos de escrever um livro sobre o Brasil, apesar de admitir que não conhece muito a cultura brasileira. Com um dos cinco ternos brancos que trouxe para a temporada carioca - escolhidos entre os 24 da mesma cor que mantém no armário -, o integrante da geração que criou o jornalismo literário (ou new journalism) como é conhecido, disse que gostaria de fazer um livro sobre como funcionam os parâmetros que conferem status no Brasil. - Claro que existe a barreira da língua, mas seria interessante descobrir os códigos de status no Brasil, ou o que faz as pessoas serem consideradas bacanas ou sensuais - detalhou o jornalista.

O escritor franzino e elegante em seu terno branco adentrou o Salão Carioca, sem expressão de surpresa, acostumado à alta roda nova-iorquina, mas com incansáveis movimentos oculares, que não negam que, mesmo aos 74 anos, Wolfe tem alma de repórter. Sentou-se ao centro da mesa e examinou a audiência de jornalistas, acostumado aos flashes, mas vendo pela primeira vez o mar de Copacabana. Lançando seu terceiro romance, Eu sou Charlotte Simmons, Wolfe afirmou que entrou na ficção por acaso.

- Precisava de dinheiro e como sempre me diziam que eu fazia jornalismo literário por temer a literatura, resolvi experimentar - conta Wolfe, se referindo ao best-seller Fogueira das Vaidades, que conta uma história típica de yuppies americanos.

Com comentários espirituosos, ele evitou discutir conceitos e rumos para o jornalismo e de ''um movimento que ele promete não comentar desde 73''. Na literatura, ouviu diversas vezes que sua obra não passava de narração jornalística, e fez piada sobre um de seus mais famosos inimigos, o escritor John Irving.

- Pediria a vocês que não mencionem meu nome a Irving. Ele fica nervoso, usa palavras de baixo calão e como vocês sabem é um senhor de idade - ironizou Wolfe.

Questionado sobre suas referências, admitiu que desde os anos 60 sua maior inspiração é o naturalismo literário de Émile Zola. Confessou que conhece pouco da produção de letras latino-americana, apesar de ter sido correspondente em Cuba mas não poupou elogios a Gilberto Freyre.

- Ele é mais que um sociólogo ou jornalista, mas um literato. Talvez nem Andy Warhol tenha conseguido tanta admiração quanto ele - exagerou.

Acusado pela elite intelectual nova-iorquina de defender Bush e sua política conservadora, Wolfe, que nunca trabalhou com assuntos da Casa Branca, deixou claro que votou em Bush, mas reclamou do peso que seu voto ganhou na mídia americana. Segundo ele, a política americana é estável há 20 anos, ''como um trem que passa entre pessoas que gritam à direita e à esquerda, mas mantêm-se nos trilhos''

- É impossível comparar Bill Clinton a George Bush. Bush teve que reagir a um ataque, em um triste incidente em que perdi três amigos e acho que teve a melhor postura possível. Clinton não enfrentou uma crise grave como o 11 de setembro e só será lembrado por cenas que estimularam o imaginário americano, como o episódio Monica Lewinsky. Detalhes, apenas detalhes! - enfatizou.

Admitindo desconhecer a política brasileira, o escritor perguntou sobre o filme Cidade de Deus, comparado por ele a uma película de Federico Fellini por seu realismo.

- Fico feliz em saber que o filme é baseado em um livro, porque há detalhes que só podem ser explicados através da narrativa. Gostaria de lê-lo, se houvesse uma versão em inglês - afirmou o dândi.

Depois de discorrer sobre o passado, a política e o Brasil, o escritor detalhou o trabalho de pesquisa de Eu sou Charlotte Simmons que conta a história de uma universitária inocente, em choque com as práticas sexuais, etílicas e não intelectuais do campus da fictícia Universidade de Dupond.

- Tentei entrar na rotina desses estudantes sem apelar para o moralismo. Charllote vem de uma cidade minúscula e os olhos de espanto dessa menina por esse universo são o melhor narrador possível. Ela não é sofisticada, é virgem e foi inspirada em uma menina real que mora na Carolina do Norte, assim como Charllote - detalha o jornalista, rebatendo as críticas de que sua virgem puritana seria caricatural e admitindo que para entrar no campus sem chamar tanta atenção, trocou o terno branco por roupas mais informais.

A mudança de guarda-roupa não será necessária nas visitas à Lapa que o escritor pretende fazer até segunda-feira, quando vai se despedir do Rio. O terno branco, a calça engomada, a gravata combinando com a meia e o lenço cuidadosamente dobrado causarão inveja à velha-guarda do samba, facilitando as notas mentais desse observador nato, que despreza o bloquinho e acumula descrições sobre yuppies, hippies ou corredores de stock-car, em ficção ou reportagem, mas sempre em deliciosas narrações.