Título: Destino de desaparecidos é revelado
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Fonte: Jornal do Brasil, 14/05/2005, Internacional, p. A7

Ex-chefe da Inteligência de Pinochet entrega à Justiça relatório com informações sobre 590 presos políticos da ditadura

SANTIAGO - O general reformado Manuel Contreras, ex-chefe da polícia secreta do ditador chileno Augusto Pinochet, revelou ontem o destino de 590 desaparecidos durante a ditadura e acusou o ex-presidente de ser o principal responsável pela repressão de seu regime.

A lista foi entregue à Suprema Corte de Justiça pelo advogado de Contreras, Juan Carlos Manns, e enviada também ao Conselho de Defesa do Estado (Procuradoria) e ao Ministério da Justiça. Funcionários dos tribunais afirmam que as informações são inéditas e que o documento detalha o nome do detido desaparecido, o organismo pelo qual foi detido, a data, o destino inicial e o destino final que teve.

Segundo Manns, Contreras pretende, com sua decisão, inocentar oficiais e suboficiais subalternos acusados, processados ou condenados por violações aos direitos humanos. No texto, o ex-general afirma que Pinochet e a Junta Militar dividiram todas as ordens para reprimir ''os grupos de esquerda que poderiam gerar uma oposição ao governo'' nos primeiros anos do regime militar.

- A responsabilidade hierárquica não vem de um tenente-coronel (grau de Contreras em 1973), ou de capitães e tenentes, que formavam a cúpula da Direção de Inteligência Nacional (Dina). Havia um ordem hierárquica superior - explicou o advogado.

''Como diretor da Dina não pude subtrair-me, nem moral nem profissionalmente, da barbárie judicial e propagandista à qual foi submetido todo um conjunto de pessoas absolutamente inocentes'', afirma Contreras na introdução de 11 páginas do documento, onde explicou suas razões para liberar o documento.

O relatório é produto de anos de estudo, nos quais o ex-general seguiu a pista do que havia acontecido com algumas pessoas cujos nomes aparecem no Informe Rettig, preparado em 1991 por ordem do então presidente e sucessor de Pinochet, Patricio Aylwin. O documento pós-ditadura estabeleceu uma cifra inicial de 2.940 pessoas desaparecidas durante 17 anos de governo militar. Recentemente, levantou-se que o número de presos políticos no Chile entre 1973 e 1990 chegou a 35 mil - pelo menos 3 mil foram mortos ou desapareceram. Não se sabe, no entanto, se os dados pesquisados por Contreras se contrapõem de alguma maneira com os do Informe Rettig.

A lista começa com o caso de Alberto Leiva Vargas que, segundo o ex-chefe da Inteligência, foi detido em Paine (Sul) pelo Exército em 14 de setembro de 1973 e ficou preso no acampamento de Chena, da Escola de Infantaria. Seu destino foi ser lançado ao mar, na costa de Pichilemu. O general também confirmou a autoria de dois assassinatos famosos, do general Carlos Prats e do ex-chanceler chileno Orlando Letelier. Ambos foram mortos por Michael Townley, que atuou como agente da CIA, afirma Contreras, que atualmente cumpre 12 anos de prisão pelo seqüestro (desaparecimento), em 1975, do alfaiate Miguel Ángel Rodríguez.

O documento relata que, dentre estes 590 chilenos desaparecidos, 134 foram detidos pelo Exército, 92 pelos carabineiros e 80 por agentes do Dina. Mas a Força Aérea, o Comando Conjunto e Estado Maior de Defesa Nacional também realizaram diversas prisões. Quatro deles teriam sido vistos posteriormente, com vida, no Chile. Outros 23 foram mortos no estrangeiro.

Além disso, o informe estabelece que o ''destino final'' mais freqüente foi lançar os corpos no mar em frente a Pichilemu, San Antonio e Molles, no rio Maipo, no lago Ranco e sepultamento em Valparaíso, no Cemitério Geral, como indigente ou sob identidade falsa. Quando as execuções aconteciam fora, o mais comum era jogar os mortos no Oceano Atlântico ou no Rio da Prata.

Parentes das vítimas da ditadura chilena se declararam emocionados com o relatório de Contreras.

- É uma notícia impactante e que confirma o que dissemos durante anos: a informação está nas mãos daqueles que violaram os direitos humanos e dos responsáveis pelos organismos de segurança que exerceram a repressão - advertiu Mireya García, vice-presidente do Agrupamento de Parentes de Detidos Desaparecidos.

O Palácio de La Moneda também comemorou a entrega do relatório ao Supremo, mas pediu calma aos parentes das vítimas.

- Tomara que este documento aumente a esperança de verdade e justiça. Mas não sabemos ainda a validade das informações entregues por Contreras - afirmou o secretário-geral do governo, Francisco Vidal.