Título: Governo retoma controle de cidade
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 14/05/2005, Internacional, p. A8
Andijan, com 400 mil habitantes, teve a sede do governo ocupada por rebeldes na madrugada de ontem. Dez pessoas morreram
TASHKENT - O Exército do Uzbequistão recuperou ontem o controle da sede do governo de Andijan, depois que a cidade - a terceira maior do país, com 400 mil habitantes - foi ocupada por um grupo de rebeldes acusados pelas autoridades de fundamentalismo. A operação deixou pelo menos 10 vítimas civis. Mas ativistas de direitos humanos estimam que a cifra seja muito maior.
- Os ocupantes fugiram e os reféns foram libertados. Os manifestantes que estavam reunidos na praça central também foram dispersados - afirmou um porta-voz do ministério do Interior uzbeque.
No entanto, um morador declarou à agência russa Interfax que ''os militares atiraram até em pessoas desarmadas, entre elas mulheres e crianças, e dispararam em policiais que tinham sido feitos reféns pelos rebeldes''.
O porta-voz não comentou a acusação e confirmou que a cidade continua sitiada e patrulhada por soldados e policiais, já que em vários setores as manifestações continuam.
Durante o dia, carros blindados e tropas apoiadas por helicópteros fecharam a cidade. Antes da tomada do prédio, Andijan foi palco de intensos tiroteios entre cerca de 100 rebeldes entrincheirados na sede do governo e cercados por um ''escudo humano'', e militares.
Saidzhajón Zaynabitdínov, ativista local de direitos humanos, denunciou que os militares abriram fogo contra a multidão com fuzis automáticos e metralhadoras e, segundo ele, havia muitas vítimas.
Outros ativistas entrevistados pela rede de televisão NTV afirmaram que o saldo pode ser de ''50 mortos e de centenas de feridos'' e que as tropas rastreavam a cidade e seus arredores para prender os rebeldes que conseguiram escapar.
Antes da tomada, os insurgentes tentaram abandonar o local usando cerca de 30 policiais como reféns, que tinham capturado de manhã. Mas os soldados abriram fogo e os obrigaram a recuar.
Quando os tiros começaram, havia 1.500 pessoas na praça central, segundo autoridades, mas outras fontes afirmam que os manifestantes eram 15 mil. Os disparos fizeram a concentração se dispersar. Entre os ativistas, havia várias pessoas armadas.
O presidente uzbeque, Islam Karimov, que foi ontem a Andijan para negociar com os rebeldes, afirmou que não decretaria estado de emergência. No entanto, o país vizinho Quirguistão fechou suas fronteiras e o Cazaquistão redobrou a vigilância.
Fontes oficiosas declararam que as tropas deram início a operação para retomar a sede de governo depois que ''fracassaram'' as tentativas de Karimov de negociar por telefone com os insurgentes.
Andijan fica localizada no Leste do país, na região mais densamente povoada e mais pobre, o vale de Fergana, onde há forte presença de grupos fundamentalistas islâmicos e tráfico de drogas.
A revolta começou à meia-noite de quinta-feira, quando dezenas de homens armados atacaram uma unidade militar para roubar armas e ocuparam a prisão local para libertar 23 empresários acusados de pertencer ao grupo fundamentalista Akramia.
Centenas de parentes e amigos protestavam há vários dias na praça central da cidade, onde ontem se somaram milhares de manifestantes insatisfeitos com o regime e exigindo ''trabalho e liberdade''.
Sharif Shakirov, um dos líderes da revolta, disse ao jornal digital Centrasia.ru que os manifestantes não queriam a renúncia de Karimov, e sim de todo o governo. Outra exigência era a libertação de todos os presos processados por razões religiosas ou políticas.
- Este é o limite. Nossos parentes começaram a desaparecer - disse um dos manifestantes, que não quis ser identificado.
- O povo está cansado de miséria, desespero, injustiça e opressão - declarou Karimov, que governa com mão dura e é acusado de reprimir a oposição sob o pretexto da luta contra o ''terrorismo islâmico''.
Karimov, no poder desde 1989, quando a União Soviética ainda existia, ganhou a confiança tanto da Rússia como dos Estados Unidos durante a guerra no Afeganistão, em 2001, quando permitiu que Washington estabelecesse uma base aérea em seu território. Esta é a mais grave crise que Karimov enfrenta desde que assumiu.