Título: Festival de besteira
Autor: Alberto Oliva
Fonte: Jornal do Brasil, 14/05/2005, Outras OPiniões, p. A11

Não é de hoje que o bestialógico campeia. Só que agora está assumindo proporções assustadoras. Que se sinta à vontade no trono do poder é até compreensível; o espantoso é que transite com desenvoltura pelas cátedras. As consciências nestes Tristes Trópicos preferem a ilusão ao esclarecimento. A teratologia verbal e gramatical a poucos incomoda e o respeito à lógica já está sendo caracterizado como elitista. A escuridão intelectual se espalhou de tal forma que a clareza e a distinção cartesianas começam a ser depreciadas como firulas do modo burguês de pensar. Por isso as autoridades do mais alto escalão não são mal avaliadas pela opinião pública por sua sistemática exibição de arrogância. Não demora e a renúncia à inteligência vai ser defendida como resistência ao neoliberalismo. Como expressão de um poder exercido sem rumo e sem prumo, a ilogicidade flui como uma espécie de pororoca verbal que atropela fatos e submerge a razão. Se o computador tem como barrar mensagens indesejadas, por que permitir que a mente seja diariamente invadida pela insciência pretensiosa e pela névoa da prestidigitação?

Alguns dos participantes do Fórum Social Mundial em Porto Alegre se reuniram recentemente no Globo para discutir como chegar a um novo mundo. Como falta aos que sonham com um novo mundo o espírito de Colombo, remam em lagoas imaginando enfrentar os mares encapelados da globalização. Não adianta alguém se considerar Prometeu sem saber onde está o fogo e o que se pode com ele fazer. O que foi propalado na reunião patrocinada pelo Globo torna evidente a necessidade de se criar um anti-spam cultural. Foram lá proferidas pérolas que merecem ser incorporadas à Enciclopédia do Saber Alternativo Nacional. Talvez acreditando que um outro mundo requer também um tipo de conhecimento que não se paute nem pelos critérios da lógica e nem pela força confirmadora ou refutadora dos fatos, um dos participantes lançou a pergunta revolucionária: ''Por que todo lugar tem que ter Executivo, Legislativo e Judiciário? Será que essa diversidade que é o planeta não inventou diferentes formas de fazer política?'' Seguindo este questionamento filosófico originalíssimo, poderia alguém perguntar: por que democracia, direitos humanos, liberdade de expressão se há outras experiências de vida social? Com base nessa lógica, não só um outro mundo é possível; vários o são e diversos estão à mostra e à disposição. É só copiar. E se o alternativo se disseminar, por imitação ou por oferecer melhores resultados, não será o caso de também depois alguém perguntar: por que se apegar a tal modelo?

Outra expressão maior do pensamento foi a declaração de um outro participante: ''a sociedade de consumo está deteriorando nossos valores éticos e morais''. Sendo esse o caso, a solução é parar de consumir, de gerar empregos, para voltar ao socialismo tribal; só assim a moralidade será restabelecida. Estes são apenas dois exemplos dos raciocínios piramidais construídos por nossa elite intelectual. Por mais inculta, não há sociedade que mereça gastar tanto dinheiro na formação de sua intelligentzia para depois ouvi-la a sugerir esse tipo de solução para suas aflitivas dificuldades. Precisamos de um anti-spam cultural que, preservando a diversidade dos modos de pensar, nos poupe de ouvir e ler tanta besteira. Assim como um computador precisa se proteger com um antivírus, os cérebros têm de criar barreiras às mensagens contaminadas por ideologias bolorentas. É imperioso descobrir mecanismos que impeçam que a enganação oficial e a empulhação ideológica cheguem sorrateiramente às partes mais recônditas da mente lá se instalando como modos corretos de pensar. De tanto ouvi-las, entranham-se em nós as besteiras. Clamemos por um anti-spam antes que todos desaprendamos a falar a língua pátria, antes que renunciemos à lógica. Erros de tão repetidos acabam tomados como acertos e pesadelos totalitários como sonhos do Outro Mundo Possível...