Título: Vale e o interesse nacional (I)
Autor: Léo de Almeida Neves*
Fonte: Jornal do Brasil, 14/05/2005, Economia & Negócios / Além do Fato, p. A18

O interesse nacional deve ser preponderante na investigação em curso no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre supostos abusos concorrenciais da Companhia Vale do Rio Doce nas áreas de transporte ferroviário e da extração de minério de ferro, conseqüência de compra de mineradoras. O Cade precisa levar em conta que se trata de firma paradigmática, fundada por Getúlio Vargas em 1941 após a nacionalização da Itabira Iron, em Minas Gerais. Aplicações de recursos públicos dezenas de anos a fio tornaram a estatal a principal produtora e exportadora mundial de minério de ferro, com destaque para a exploração da Serra de Carajás, a mais rica província mineral do universo, e a concretização de extraordinário sistema de logística, com ferrovias modernas, conduzindo minério aos portos de Vitória no Espírito Santo e Itaqui no Maranhão, de onde são embarcados para os mercados asiáticos, europeus e dos EUA.

Na volúpia privatizante de Fernando Henrique Cardoso, o controle acionário da Vale foi vendido, em leilão em 6 de maio de 1997, por parcos R$ 3,3 bilhões, felizmente para um grupo nacional, onde pontifica o Fundo de Pensão Previ (Funcionários do Banco do Brasil).

Em 2004, a firmeza de Carlos Lessa, então presidente do BNDES, impediu solerte manobra de desnacionalização para a nipônica Mitsui, levando o banco a adquirir ações do InvestVale Clube de Empregados, equivalente a 8,5% do capital da controladora Valepar.

A Vale é companhia para ser mimada e não espicaçada. Seria total absurdo punir a maior investidora privada no Brasil, com projeção além-fronteiras. É fundamental reconhecer que os administradores da Vale têm sido extremamente competentes na gestão da empresa, cujo lucro em 2004 alcançou a fabulosa cifra de R$ 6,460 bilhões. As exportações líquidas somaram US$ 4,618 bilhões e a receita bruta atingiu R$ 29 bilhões. Nos últimos três anos, a Vale investiu R$ 6,4 bilhões e em 2005 seu plano de inversões atinge R$ 3,3 bilhões. No próximo decênio aplicará R$ 40 bilhões.

Graças ao prestígio e à parceria da Vale, até 2010 estão programados macro-investimentos, somando mais de US$ 10 bilhões, de gigantes siderúrgicas chinesas, francesas, coreanas, alemãs e japonesas nos Estados de Maranhão, Ceará, Pará e Rio de Janeiro, que transformarão o Brasil em plataforma universal de exportação de aço e derivados, agregando valor aos nossos minérios in-natura.

Como se não bastasse o fator inibitório para novos projetos, causado pelos estratosféricos juros Selic impostos pelo Copom do Banco Central do Brasil, vem agora o Cade ameaçar de punição um conglomerado empresarial que engrandece a economia brasileira. Não tem cabimento a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério da Justiça, a Secretaria de Defesa Econômica (SDE), do Ministério da Fazenda, e a Procuradoria do Cade pretenderem anular as aquisições que a CVRD fez das mineradoras Socoimex, Samitri, Ferteco e Caemi e reduzir em 20% a participação acionária da Vale na ferrovia MRS Logística.

Se a moda pega, amanhã o Cade vai atrever-se a determinar que a Petrobras venda parte de suas refinarias e se abstenha de atuar na petroquímica. Aliás, não soou bem o Cade decretar em nome da livre concorrência o fim, em maio de 2005, dos vôos compartilhados da Varig e da TAM, que possibilitavam ampliar oferta de vôos, sem elevação de tarifas. Será que desconhece a crise financeira na aviação civil e que o transporte aéreo é essencial em país continental como o nosso? Vejam o retrocesso: na década de 1960/70 trezentas cidades eram atendidas por vôos regulares; em 2003, caiu para 180 e em 2004 apenas 130 cidades se beneficiam de linha aérea.

Nos julgamentos do Cade impõe-se atribuir graus negativos a firmas regiamente beneficiadas com empréstimos do BNDES e do Banco do Brasil, ou privatizadas em condições privilegiadas, que direcionam investimentos para o exterior com a finalidade exclusiva de lucro, sem justificativa de sincronização e complemento para exportação de produtos brasileiros. Contarão pontos sociedades que realizem investimentos novos, ou de expansão e modernização no território brasileiro, ou que celebrem joint ventures com empresas de fora, atraindo capitais de risco em empreendimentos de caráter reprodutivo.

Um velho brocardo latino ainda rege as decisões judiciais: in dubio pro reo, isto é, se houver dúvida decida-se a favor do réu. Este conceito deveria ser aplicado pelo Cade, ou seja, quando não for inquestionável o direito de uma das partes sobre a outra, a deliberação deve favorecer quem melhor represente o anseio nacional.

Se a legislação atual do Cade não permitir que a vantagem pública se sobreponha à particular, urge criar legislação adequada pertinente via Medida Provisória, neste caso perfeitamente justificável.

Presidente da República e ministros da Justiça e da área econômica não podem omitir-se ou tergiversar neste assunto. Seria imperdoável e pernicioso ao futuro da nação.

*Ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil. Autor dos livros ¿Destino do Brasil: Potência Mundial¿, Editora Graal, RJ, 1995, e ¿Vivência de Fatos Históricos¿, Editora Paz e Terra, SP, 2002