Título: Classe média ganha com juros altos
Autor: José Roberto Nassar e Klaus Kleber
Fonte: Jornal do Brasil, 14/05/2005, Economia & Negócios, p. A20

O economista Ioshiaki Nakano é o criador e primeiro diretor da nova Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas ¿ que já está em sua segunda turma de graduação. Doutor pela universidade americana de Cornell (uma escola pluralista, que agrega estudos de filosofia, história e política aos mergulhos na economia), Nakano tem larga experiência na administração pública. Foi secretário paulista da Fazenda no governo Mário Covas, período no qual implantou reformas administrativas e programas de e-government, que cortaram déficits e modernizaram o setor público estadual. Ganhou até, certa vez, do prefeito carioca César Maia o qualificativo de ¿o meu ministro da Fazenda preferido¿. Dedicando-se em tempo integral à escola ¿ e começando a trabalhar num velho plano de editar livros-texto de economia adequados às condições brasileiras, que tenham diversidade e não meramente reproduzam modelos importados ¿, Nakano acompanha de perto os rumos da macroeconomia e afirma que a classe média lucra com a política monetária de juros altos.

As sucessivas altas na taxa básica de juros são o instrumento a que o Banco Central recorre para, contendo o apetite dos agentes econômicos, segurar a inflação dentro das metas. Como é que o senhor classifica a política monetária? A atual política monetária, na verdade, acaba sendo expansionista. Nos outros países, quando o juro sobe, as pessoas ficam mais pobres. A cotação das ações cai, o rendimento dos títulos (prefixados), também. Aqui, não. Aqui, da classe média para cima, todo mundo aplica em títulos públicos pós-fixados, remunerados pela Selic, que já representam 57% da dívida mobiliária. Preserva-se o patrimônio e aumenta-se a capacidade de gastar desse segmento. Produz-se o efeito contrário.

O senhor sempre defendeu uma taxa real de juros bem mais baixa, algo em torno de 4% ao ano. Estamos em 13%, com viés de alta... Acho que a taxa de juros do Banco Central tem que ser semelhante à dos Estados Unidos (3% para o Federal Reserve, 4% para títulos de dez anos). Você pode perguntar: mas, com isso, o investidor não vai cair fora? Pode ser que isso ocorra com o especulador, o que só pensa no curtíssimo prazo. Mas o investidor que analisa o ambiente e olha para o longo prazo não sairá. Assentada a poeira, um juro nesse nível provoca uma rearrumação na balança dos ativos. Passam a ser atraentes ações, imóveis, outros ativos. Esse é um dos jeitos de fazer a economia crescer. A verdade é que um juro real de 13% é um absurdo: desestimula a produção e serve simplesmente para as aplicações de sobras de caixa de empresas e bancos.

Como é que se faz para baixar o juro, então? É preciso agir fundamente na área fiscal. Eu defendo uma nova lei fiscal, que congelaria os gastos correntes do governo, não os investimentos. Nos Estados Unidos, a lei impede que o governo aumente os gastos correntes. Existe um superávit primário importante, mas isso não paga a totalidade dos juros da dívida interna. Para baixar os juros, nós temos que cortar o déficit nominal (que representa 2,3% do PIB). Podemos fazê-lo. Não, é claro, de uma só vez. Mas em dois anos. Há um enorme espaço onde se pode aumentar a eficiência no dia-a-dia do setor público. Fizemos isso aqui em São Paulo. No governo Mário Covas, implantamos reformas que modernizaram a gestão e resultaram numa redução de 200 mil pessoas no quadro de pessoal do Estado.

Para onde vai o dólar? Com esse juro, vai continuar a cair, se não houver intervenção. Pelo jeito não vai haver. As incursões do Banco Central para comprar dólares tiveram só o objetivo de recompor reservas ¿ o que conseguiu (as reservas líquidas, em poucos meses, subiram de US$ 27 bilhões para US$ 39 bilhões) ¿, para não ter que renovar com o FMI, o que também aconteceu. Mas a verdade é que quase todos os países do mundo intervêm no câmbio, para torná-lo adequado às políticas que pretendem implementar ¿ de olho no setor produtivo. De outra forma, o mercado acaba sendo determinado só pelo ângulo financeiro.

O senhor sempre defendeu uma valorização do dólar em relação ao real, bem acima dos atuais R$ 2,50. Em outro contexto, e apenas para citar um número, o senhor e outros economistas falaram em R$ 3,40. Não há um número mágico. Só acho que, para o médio e longo prazos, temos que agir para caminhar gradualmente nessa direção. O jeito de determinar o preço do dólar é feito de tentativa e erro. Taxa boa é a taxa de câmbio que gera emprego e investimento. Qual o número? Bem, esta é uma decisão política.

Apesar do dólar fraco, a balança comercial continua aprontando surpresas... Não sei quanto, mas este ano o superávit vai ser maior do que o do ano passado. As exportações crescem mais do que as importações, preços de commodities sobem, há diversificação de mercados, a Argentina se recupera, a economia mundial está em expansão ¿ enfim, há muitas razões. Mas vamos ficar concentrados no agronegócio e minérios? E quanto aos manufaturados? É verdade que a indústria automobilística está exportando muito, apesar das reclamações recentes. Ela vem fazendo investimentos desde o governo Fernando Henrique e eles já estão de certo modo amortizados. Nesse caso, o câmbio não pesa tanto. Mas quando pensamos num crescimento de longo prazo temos que agir levando em conta que exportação de manufaturados é fundamental. Para competir lá fora, a exportação exige processos de aumento de produtividade. Eles regeneram toda a economia.

Certamente para compensar o dólar fraco, o governo vem procurando promover reduções na área fiscal, que ajudam a melhorar a competitividade das empresas exportadoras. Não há estímulo mais eficiente do que o câmbio.