Título: "Governo Lula é incompetente"
Autor: Leila Youssef
Fonte: Jornal do Brasil, 15/05/2005, País, p. A2

Entrevista: Jefferson Péres

O senador Jefferson Péres, uma das referências éticas do Senado, é um pedetista do Amazonas que está mais perto do Rio do que os cariocas e fluminenses podem supor. Ele é o relator que incluiu, especificamente para a população do Estado, o tema recriação do Estado da Guanabara na área do Município do Rio de Janeiro, no projeto de decreto legislativo de um plebiscito que perguntará à Nação brasileira vários temas na esfera política. O seu relatório será votado na quarta-feira, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O senador, de passagem pelo Rio, diz que sua proposta é uma forma de resgate de uma dívida que a Nação tem com a população do Estado que não foi consultada em 1974. Diz ainda que a fusão foi feita no regime autoritário.

Na entrevista ao JORNAL DO BRASIL, concedida em seu apartamento no Leme, o senador abordou, com o tom crítico costumeiro, questões do governo Lula de quem, pode-se dizer, é eleitor arrependido.

Para o pedetista, que já integrou os quadros do PSDB, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva se tornou refém do fisiologismo do Congresso, é ruim e incompetente. Mas, em meio a inúmeras críticas, faz elogios ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci e dá uma receita para o ajuste da economia: Propõe aperto fiscal, com superávit de 5,5% ao ano, acompanhado de queda sistemática das taxas de juros. Na defesa da melhoria de qualidade dos gastos do governo, senador de oposição dá total apoio ao presidente Lula que vetou os 15% de reajuste para os funcionários do Congresso. Ele sabe que pode ganhar a antipatia dos servidores, mas acha injusto um aumento para uma fatia, enquanto servidores do Executivo receberam apenas 0,1%.

Jefferson Pérez é crítico também com o seu partido PDT, festeja a coligação com o PPS e admite que, em consenso, poderá ser um nome para disputar a sucessão de Lula. O senador diz ainda que o PT jogou na cesta de papel o seu compromisso com a ética.

- Por que o senhor resolveu colocar para 2007 o plebiscito sobre a criação da cidade-estado, previsto no projeto de decreto legislativo?

- Primeiro porque este ano coincidiria com a consulta sobre o desarmamento. Misturaria coisas bem diferentes e não propiciaria um debate tão polêmico como é o da desfusão. Teria que ainda ser aprovado pela Câmara dos Deputados e não haveria tempo de preparar. No próximo ano, também coincidiria com as eleições.

- O senhor não acha que tocou num tema polêmico como o da desfusão?

- Todos os quatro temas são polêmicos, mas o da desfusão talvez seja o mais porque um fato ocorrido há 30 anos teria consequências no plano financeiro, político. É um assunto que divide opiniões profundamente.

- E a sua opinião, qual é?

- Quanto ao plebiscito eu sou inteiramente a favor. Acho que, até quem não é a favor da desfusão, deveria ser favorável ao plebiscito, pois trata-se de um resgate histórico de uma violência sobre o povo, tanto da antiga Guanabara, como do estado do Rio. Eu sinto certa simpatia pela desfusão, embora eu não vá participar do debate por não ser daqui.

- O que o faz pensar assim?

- Considerando a relação custo-benefício, pelo menos a cidade do Rio de Janeiro, ganharia com a unificação, acabaria com a dualidade freqüentemente conflituosa entre prefeito e governador. Haveria uma unidade político-administrativa. Acho que seria bom para a cidade.

- Quais são as propostas do relatório sobre o plebiscito?

- Resumi a quatro: adoção do financiamento público de campanha, o voto facultativo, reeleição presidencial e incluí o plebiscito sobre a desfusão. Achei necessário, porque é um resgate histórico. A fusão foi feita pelos militares. Eu diria até que nem é um plebiscito sobre a desfusão. Seria um referendo sobre a fusão, com 30 anos de atraso.

- Como tem sido a reação ao projeto pelos três senadores do Rio?

- O senador Marcelo Crivella, desde o início disse que era a favor do plebiscito, embora não tinha ainda opinião formado sobre o mérito quando falou comigo. O senador Sérgio Cabral Filho se declarou favorável ao plebiscito, mas contrário a desfusão e o senador Saturnino Braga foi favorável ao plebiscito, mas contra a desfusão. Os deputados federais da bancada do Rio não se manifestaram ainda para mim. Nem os estaduais para colocar posição, a favor ou contra

- Como senador da República, como o senhor avalia o governo Lula?

- É um governo ruim porque perdeu seu compromisso ético. Se tornou refém do fisiologismo do Congresso e não consegue demonstrar competência na articulação política. Mesmo apelando para o fisiologismo, ainda assim é incompetente. É também extremamente incompetente na gestão da coisa pública.

- Não há nada de bom?

- O que salva esse governo e o que ainda o sustenta, por incrível que pareça, é a política macroeconômica que, na verdade, é uma repetição quase que literal da política de Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, o esteio desse governo chama-se Antônio Palocci (Ministro da Fazenda). Se não fosse isso, o país já teria entrada numa crise profunda e talvez esse governo tivesse caído. Retira-se a política de responsabilidade fiscal e monetária, resta muito pouco de positivo.

- O senhor então concorda com os rumos da economia?

- Não prego a irresponsabilidade monetária. Mas acho que o correto mesmo seria aliviar a política monetária, com redução sistemática na política de juros, com aperto na política fiscal, com o aumento do superávit primário. Estou dando de graça a receita para o governo: seria a melhoria da qualidade do gasto público e cortes drásticos. Além do custeio, se necessário, até no investimento. Mas o superávit primário teria de ir a mais de 5% ao ano, porque ele teria que coincidir com uma redução sistemática da taxa de juros.

- O senhor já foi próximo ao presidente Lula...

- Não faço essas críticas com alegria. Eu votei no Lula no segundo turno, me sentia muito próximo do PT, partido que eu respeitava pelo seu compromisso ético que, agora, eles jogaram na cesta de papel.

- Já que falou em qualidade de gastos, o senhor concorda com o veto do presidente Lula aos 15% de aumento para os funcionários do Congresso?

- Sou favorável. Sou um senador de oposição que vou aplaudir o governo e desgostar todos os funcionários do Senado. É impopular, é antipático, mas eu tenho coragem de assumir. O governo está certo em não dar o reajuste porque impacta o orçamento e não foi dado o reajuste aos servidores da União que tiveram apenas 0,1%. Que me desculpem os servidores do Senado, mas eu não faço demagogia.

- Qual a avaliação que o senhor faz do Senado hoje?

- O Senado Federal não foge da média das casas legislativas. Existem senadores muitos éticos, sérios, mas existem outros que refletem a média dos políticos brasileiros. São vítimas de uma cultura patrimonialista arraigada. Acham que política é isso mesmo: a coisa pública é utilizada em favor daqueles que têm poder. Isso não quer dizer que sejam corruptos. Há aquele que mete a mão no dinheiro público, mas há outros, que não são corruptos, mas acham normal empregar parentes, negociar liberação de verbas. Acham que política é isso.

- O senhor concorda que o Governo Lula está sitiado?

- Creio que Lula perdeu sua grande chance, logo no começo de fazer uma mudança cultural na política brasileira. Ele foi eleito com uma votação tão grande, com tanta esperança do povo brasileiro, que era extremamente forte para mudar o relacionamento Executivo/Legisltivo. Se tivesse estabelecido, na formação de ministérios, limites éticos: ou seja, vamos negociar até aqui. Além daqui não há negociação. Se tivesse dito: não faço concessões nem para o PT, ele teria se imposto moralmente.

- O problema foi do presidente ou de seus articuladores?

- Dele e das pessoas que o cercam. A cúpula do PT também tem culpa nisso. O partido mudou radicalmente. Eu convivi oito anos com o PT no Senado, aprendi a respeitá-lo e, de repente, vejo esse partido jogar todas as suas bandeiras no chão.

- O senhor acha que o ministro Aldo Rebelo está cumprindo bem o papel de articulador político?

- O Aldo sofre uma rejeição do PT que não aceita que a articulação seja feita por uma pessoa de outro partido. Isso tira força, fragiliza o Aldo que é muito hábil. Ele tem vocação de diplomata de tão ''soft'' que é. Mas todos sabem que ele não tem força. Não adianta discutir as coisas com o Aldo, ele tenta, mas não tem poder.

- O caminho então é dar a articulação para o PT e com isso melhorar a relação Planalto e Congresso?

- Pode ser, mas a essa altura, com a desarticulação da base, não sei se esse político terá condições de restabelecer a ordem. Talvez seja tarde. Já está na ladeira e vai cedendo cada vez mais em função da reeleição.

- Como será o PDT na primeira eleição presidencial sem Leonel Brizola?

- Vai depender do próprio PDT que está em busca de sua identidade. Por enquanto, ele perdeu. O Leonel Brizola será sempre a grande referência do partido, mas o PDT tem que se reencontrar, ter um projeto de Nação, que ele não tem. É claro que as teses que o PDT defendia no passado, não são mais válidas e o PDT até hoje não se reprogramou.

- E a aliança com PDT/PPS

- Os dois são partidos pequenos, com pouco enraizamento no território nacional, pouco tempo de televisão, poucos recursos. Creio que os dois, unidos em torno de um nome que tivesse credibilidade e empatia com o eleitor, seriam competitivos. Na minha avaliação há uma fatia considerável do eleitorado brasileiro que está desencantada com o governo do PT, mas não está saudosa do governo do PSDB. Esse contingente de eleitores está na orfandade política.

- Esse candidato a presidente da República poderia ser o senhor?

- Poderia até aceitar a candidatura à Presidência se houvesse convergência natural dos dois partidos, PDT e PPS, para o meu nome. Mas não darei um passo nesse sentido. Só se fosse um movimento espontâneo dos dois partidos.