Título: Política em crise, democracia em risco
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 15/05/2005, País, p. A3

Rixa entre os poderes e conceito ruim da atividade parlamentar geram temor de retorno do regime autoritário

Quando um grupo de deputados federais resolveu criar, há dias, uma frente para resgatar a imagem do Legislativo, fez despertar, em diversos setores da sociedade, um temor que aumenta na mesma medida em que cresce o descrédito dos políticos: é o risco da desmoralização do próprio sistema democrático, abrindo caminho para um saudosismo glamourizado da ''ordem'' e do ''milagre econômico'' dos tempos da ditadura. Com a experiência de quem vivenciou os vícios do processo eleitoral, no tempo em que presidiu o TRE fluminense, o desembargador Marcus Faver chama a atenção para o perigo:

- Se o povo passa a acreditar que a democracia não tem jeito, a credibilidade do regime vai sendo minada, ao mesmo tempo em que se abre caminho para uma nova investida dos saudosistas da ditadura e dos demagogos de todos os matizes - alerta.

O desembargador afirma que o Congresso está omisso ao não regulamentar o artigo da Constituição Federal que determina a avaliação dos antecedentes de quem deseja se candidatar, antes da concessão do registro.

- Se alguém é condenado em primeira instância por ter cometido assassinato, por exemplo, não se deveria permitir o registro da candidatura só porque o processo não terminou em todas as instâncias.

A condenação em primeira instância de um candidato que compra votos hoje já é suficiente para suspender o registro ou cassar o mandato, de acordo com a Lei 9840, de 1999, fruto de um movimento popular que coletou assinaturas em todo o país. A idéia seria, portanto, estender o conceito da lei a outros tipos de delito.

De acordo com Faver, um movimento pela recuperação da imagem dos políticos não deveria se cingir à atuação parlamentar, mas abranger todo o processo político, a partir das campanhas eleitorais.

O deputado Fernando Gabeira (sem partido-RJ), um dos integrantes da frente, concorda com Faver e lembra que tentou chamar a atenção da mídia, nas últimas eleições, para que também se preocupasse com os candidatos à eleição proporcional. Muitos deles, com maus antecedentes, se elegeram, quase sem serem notados.

- A questão não é só acusar os políticos corruptos. O importante é também analisar o processo que leva o eleitor a eleger esses políticos em escala crescente.

É um cenário sem mocinhos em que ''governo e oposição têm a mesma parcela de culpa na queda-de-braço em que se meteram''.

- Ninguém faz nada e ninguém ganha nada. Nesse vale-tudo, e incapazes de estabelecer uma aliança, o PT e o PSDB repetem o mesmo jogo. Os dois acabaram se tornando a vanguarda do atraso, pois se coligaram com grupos que rendem votos preciosos, e não se importaram com o custo político e ético dessa composição.

A solitária conquista representada pela aprovação da lei de compra de votos já está ameaçada por quem tem interesse em subordinar a suspensão do registro ou a cassação do mandato à eventual condenação do político em última instância. Em outras palavras, voltar à situação em que o eleito cumpria tranqüilamente o mandato enquanto seus advogados adotavam a tática de manobras protelatórias na Justiça. Quem faz a denúncia é o advogado Carlos Moura, coordenador do Movimento Nacional Contra a Corrupção Eleitoral:

-Atitudes como esta enfraquecem ainda mais o Legislativo. E quando igualmente o Poder Judiciário e o Executivo sofrem críticas, a democracia se fragiliza. Por isso, todos os poderes, sem exceção, devem se esforçar para melhorar sua imagem.

A deputado Luiza Erundina (PSB-SP), outra integrante do movimento, lembra que um dos objetivos é preservar a própria atividade política, motivando a sociedade para que ajude a manter o princípio da democracia ''que nos custou tão caro''. Lembra que o grupo tomou forma ao ser anunciado o aumento dos deputados, que gerou forte reação.

- A participação dos movimentos organizados também foi fundamental para a fragorosa derrota da MP 232, que o governo tentou nos impor. Essa mobilização precisa crescer, pois nos ajuda muito - lembra Erundina.

A deputada revela que, para melhorar a imagem do Legislativo, o grupo vai lutar por medidas concretas, como acabar com os jetons por sessão extraordinária, diminuir o tempo de recesso e propor regras coerentes para o reajuste do salário do parlamentar.

Esse tentativa de reverter o processo de desmoralização não pode demorar muito, adverte Gabeira, que vê a instituição parlamentar em perigo, ''em meio a uma situação extremamente grave, com a ameaça de volta ao autoritarismo''. Relembra que a democracia na América Latina ofereceu mais esperanças e promessas do que a sua capacidade de realizá-las, e isso em vários países, como Equador, Bolívia, Venezuela, Nicarágua e Argentina.

- No Brasil, não estamos conseguindo deter a marcha da insensatez. Como conseqüência já existem movimentos organizados pelo voto nulo, ou para que se vote só em candidato que nunca teve mandato, ou ainda para que os debates no Congresso sejam substituídos por referendos e plebiscitos. O governo está confuso e perdido, trabalhando para que o Congresso não produza. O que está em jogo, no entanto, não é uma vitória ou derrota ocasional, mas um pilar da democracia.