Título: Só o futuro dirá se erramos
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 15/05/2005, País, p. A4

Li em alguma parte, que Mao- Tsé- Tung, indagado sobre o que pensava da Revolução Francesa, teria respondido: ¿ ainda é muito cedo para julgar ¿ . Verdade ou não, o episódio retrata, de forma anedótica, a prudência da velha sabedoria oriental, a ensinar-nos cuidado no julgamento de acontecimentos que, aparentemente fáceis de analisar, contém sempre um elemento de temporalidade que aconselha esperar para uma conclusão duradoura. Esta reflexão introdutória vem-me à mente ao procurar interpretar os resultados da Cúpula América do Sul- Países Árabes. Devo dizer que não sou contra uma política externa participativa. Quando me coube chefiar o Itamaraty proclamei, que um país como o nosso não pode ser objeto, mas sim sujeito da História. Nosso caso especial, é de um país com características que nos obrigam a desempenhar um papel internacional cada vez mais protagonista. Agrada-me lembrar a advertência do Papa João Paulo II, em seu discurso inaugural ao assumir o trono de Pedro: ¿ Non avete paura ¿ !

Sim, mas acrescentaria, cuidado para não ultrapassarmos nossas possibilidades, no momento histórico em que somos chamados a atuar. Avaliar esse momento é extremamente delicado, mas para isso é que existe a diplomacia. Estas reflexões, ocorrem-me ao examinar a cúpula. Sem dúvida, foi uma iniciativa que nos projetou para um palco internacional. Mas o balanço não parece positivo.

O futuro dirá se erramos ou tivemos êxito. Pessoalmente, estou provisoriamente inclinado a julgar que o gesto foi prematuro. Paciência, tudo tem seu tempo.

Por exemplo: imaginar que Israel é aquilo que se vê no mapa, país com dimensões pequenas, é um grave e arriscado equívoco. Israel é Estado universal. E exerce uma política de poder que está aí para ficar. Em contra - partida o mundo árabe, quando unido como no caso da política de petróleo, não é de se desprezar. E além disso apresenta um complicador, que é a religião. O que podemos e devemos fazer para conciliar essas duas forças que vivem em estado de guerra permanente. Não podemos fazer nada, é a resposta, senão aconselhar moderação. Não podemos cometer a imprudência de parecer estar favorecendo um dos lados.

Por isso, quando me coube alguma responsabilidade na condução de nossa diplomacia, sempre mantive a posição de que nossa atuação devia obedecer a uma rigorosa linha de equidistância. Antes de tudo porque não dispomos de meios para atuar em problema que nem a ONU, ou os Estados Unidos. Em segundo lugar, não temos qualquer vantagem em trazer para o Brasil esse problema. Um país onde convivem em paz árabes e judeus

No meu livro ¿ Na diplomacia, o traço todo da vida ¿ narro que visitei simultâneamente a Primeira Ministra Golda Meir e o Presidente Sadat. A impressão que deixou a recente cúpula de Brasília foi que tomamos o partido dos árabes, proporcionando-lhes um palco para atacar Israel. Certamente não foi essa a nossa intenção. O futuro dirá se agimos bem ou mal.

O que ocorreu em Brasília irritou e contrariou profundamente os Estados Unidos, país com o qual temos relações da mais alta importância. Não é que eu julgue que devemos pautar nossa conduta internacional sob o prisma de não desagradar os Estados Unidos. Não, pelo contrário, nosso interesse é que deve predominar. Tudo isso em harmonia, como compete a diplomacia. A cúpula, nesse sentido, assumiu, involuntariamente um ar de provocação, num problema em que os interesses americanos são maiores que os nossos.