Título: Holandeses criam o êxodo moderno
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 15/05/2005, Internacional, p. A10
Pressão demográfica, estresse cotidiano e medo de violência religiosa e política fazem país viver novo pico de emigração
Famosa por lançar modismos sociais, a Holanda está experimentando uma nova revolução cultural: o êxodo de nativos. Mas dessa vez a razão não é a grave crise econômica ou a destruição causada por guerras, como é o histórico das nações européias. Os holandeses estão deixando seu país porque não conseguem mais viver em meio a tanta gente.
Com 41.526 km² e mais de 16 milhões de habitantes registrados, a Holanda tem uma das maiores densidades demográficas do mundo: 385 pessoas por quilômetro quadrado. Perde para Bangladesh (954), mas não há na Europa país mais povoado.
- Oitenta por cento das pessoas que querem emigrar mencionam a pressão populacional. E os destinos preferidos são países com pouca densidade demográfica, como Austrália, Canadá, Nova Zelândia - confirma ao JB Harry van Dalen, do Instituto Interdisciplinar Demográfico da Holanda, que acaba de divulgar uma pesquisa sobre emigração.
Os dados mostram que o fenômeno começou em 1999, quando o país enfrentou moderados problemas econômicos. Mas desde então, e mesmo tendo recuperado as finanças, o número cresce a cada ano. No ano passado, 112.400 moradores deixaram a Holanda. A maior parte era de imigrantes que voltaram a seus países, mas 50 mil eram nativos. Em 1999, este saldo foi de 30 mil pessoas. Enquanto isso, a imigração cresce em maior proporção, fazendo o país ''inchar'', como descreve o historiador Henri Beunders, da Universidade Erasmus, em Roterdã:
- Somos um país menor a cada dia. A Holanda sempre foi muito povoada, mas as pessoas tendiam a ficar onde viviam. Hoje não é mais assim. Muita gente tem dois carros, trabalha em Haia e vive em Roterdã. Ou vive em Amsterdã e sai à noite em Roterdã. O resultado são engarrafamentos sem fim, trens lotados, congestionamento de pessoas nas ruas. As áreas metropolitanas se tornaram um espaguete cozido demais: os fios estão grudados.
O maior problema da emigração é a perda de jovens com formação universitária, aponta Grant King, diretor do escritório de migração em Amsterdã:
- São pessoas de classe média, com salários bons e empregos sólidos. Estamos perdendo holandeses qualificados.
Mas para Joanne van Selm, analista do Migration Policy Institute, dos Estados Unidos, e pesquisadora na Universidade de Amsterdã, a saída de burgueses não provoca uma crise no mercado de trabalho local.
- A população é altamente instruída, 40% dos holandeses tem o terceiro grau. E muitos estão indo para a França, Espanha, Alemanha, Grã-Bretanha, para estudar ou trabalhar em empresas européias. O que acontece hoje com os holandeses é também um pouco do processo de sair para o mundo, morar fora enquanto jovem. Este é um costume dos europeus, que ainda não tínhamos adotado - justifica.
Por isso, Joanne não acredita que o crescimento da emigração de holandeses seja uma propensão forte para o futuro. Van Dalen também não acha que a tendência seja estrutural.
- A história da Holanda é caracterizada por picos de emigração. Os últimos três foram no fim dos anos 50, nos anos 80 e agora - afirma.
Segundo o pesquisador demográfico, não há números oficiais sobre os holandeses que estão voltando ao país, mas calcula-se que um em cada dois retorne para casa, depois de um período de dois anos.
- Circunstâncias como salário, trabalho, casa e vida social não são muito diferentes entre os que ficam e os que vão. Os emigrados descobrem que todos os lugares têm quase os mesmos problemas. Mas os que cerca de 30% que experimentam uma queda no salário costumam voltar mais rápido - brinca.