Título: Socialistas franceses enfrentam dilema
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Fonte: Jornal do Brasil, 15/05/2005, Internacional, p. A10

Referendo sobre adesão à Constituição Européia é rejeitado por parte da legenda, o que beneficia Jacques Chirac

PARIS - Qualquer que seja o resultado do referendo na França sobre a adesão ou não à Constituição Européia, a oposição do Partido Socialista não sairá como vencedor. As divisões sobre como se votar no dia 29 de maio estilhaçaram a unidade que o partido cuidadosamente havia remontado depois de derrotas desmoralizantes nas eleições presidenciais e parlamentares de 2002. Diante disso, haverá pouco o que comemorar. O debate reviveu rivalidades antigas e fez surgir sérias dúvidas sobre a capacidade do partido de se lançar em um desafio maior como a disputa presidencial de 2007.

- A questão é como unir as diferentes correntes políticas em torno de um só programa - afirma o cientista político socialista Henri Rey. - Não será fácil e as divisões geradas pelo referendo são um complicador.

A adesão à carta européia tem a intenção de facilitar a consolidação do bloco formado por 25 países. Mas é um dilema para os socialistas: votando o Sim, significa que a grande e tradicional ameaça, o presidente Jacques Chirac, de novo ganha força. Isso será duro para muitos na legenda socialista, que se viram forçados a votar em Chirac no segundo turno em 2002 devido ao fato de o candidato do partido, Lionel Jospin, ter ficado em terceiro lugar no primeiro turno, atrás do direitista Jean-Marie Le Pen.

Já o voto no Não significaria trair a visão de uma Europa mais aproximada e integrada com a qual muitos socialistas sempre sonharam.

- Cumpri meu dever republicano em 2002, escolhendo Chirac. Vou votar a favor da constituição dessa vez. O texto nada tem a ver com ele - analisa um eleitor socialista, Sebastien Lemur, durante um encontro em Paris.

Poucos quarteirões adiante, um médico chamado Etienne se irrita com argumentos a favor do referendo, deixando claro que não pretende ajudar a pavimentar o caminho do atual presidente francês novamente.

- Não há nada de social na constituição européia! Somos socialistas e não podemos votar no Sim! - reclama.

A maioria dos 120 mil integrantes do partido aprovaram a carta em uma pesquisa interna realizada em dezembro de 2004, impulsionando a candidatura do líder pró-UE Francois Hollande.

O voto inicialmente parecia ser um passo adiante da debácle de 2002, construindo as vitórias socialistas nas eleições parlamentares européias que puderam o partido na rota da recuperação. Porém, a eleição interna acabou alimentando o debate e semeando a divisão.

Adversários da adesão, liderados pelo vice-presidente do partido e ex-primeiro ministro, Laurent Fabius, alimentaram a fogueira, ampliando a cisão. Fabius acompanha o sonho de Holande de ser o candidato socialista na próxima eleição presidencial. O resultado do referendo parece deixar um dos dois bem à frente na corrida.

- Se o Não vencer, Fabius deve ser o nome para 2007 - avalia o cientista político Paul Bacot. - Mas a rejeição também fará com que Fabius tenha grande dificuldade de lidar com os socialistas em outros países europeus que apóiam a constituição comum. Já o Sim poderia impulsionar as esperanças de Hollande de ser o candidato presidencial, mas igualmente poderia ajudar Chirac a obter mais um mandato.

Analistas políticos dizem que é provável que a legenda acabe se dividindo, como os socialistas temem.

- O dia 29 de maio vai marcar um ponto de mudança - afirma Lemur. - Qualquer que seja o resultado, as duas vertentes poderiam cindir a legenda, enfraquecendo-a definitivamente para 2007. É frustrante - conclui.