Título: O furor oposicionista, a cúpula e a prostituição
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 15/05/2005, Outras Opiniões, p. A15

O Senado costuma ser conhecido como um lugar de maior equilíbrio do que a Câmara dos Deputados, mas nas últimas semanas tem vivido cenas de furor oposicionista

O Senado costuma ser conhecido como um lugar de experiência acumulada e de maior equilíbrio do que a Câmara dos Deputados, onde os há senadores que já ocuparam cargos de presidente da República, governadores, prefeitos, presidentes de Assembléia Legislativas, de Câmaras Municipais, de empresas e organizações. Mesmo que tenham pontos de vista diversos, mesmo depois de discussões acaloradas, acabam chegando a entendimentos de bom senso.

Nas últimas semanas, entretanto, o Senado tem vivido cenas do que poderia ser classificado de verdadeiro furor oposicionista. Os líderes do PSDB e do PFL, senadores Artur Virgílio José Agripino Maia, por exemplo, ficaram tão preocupados com a iniciativa do governo de promover a Cúpula América do Sul- Países Árabes, que a criticaram por causa de possíveis danos às nossas relações com os EUA e Israel. Segundo eles, o documento final não condenava o terrorismo e não promovia a democracia. É como se não tivessem lido que os países signatários ''...enfatizam a importância do combate ao terrorismo, em todas suas formas e manifestações, por meio de uma cooperação internacional ativa e eficaz, no âmbito das Nações Unidas e das organizações regionais pertinentes, com base no respeito e princípios da Carta das Nações Unidas e em absoluta conformidade com os princípios do Direito Internacional e dos Direitos Humanos.'' Sobre a democracia, especialmente sobre o Iraque, afirmaram os signatários: ''Enfatizam a importância de respeitar a unidade , a soberania e a independência do Iraque e de não interferir em seus assuntos internos''.

Creio que se examinarem estes e outros itens do documento com a devida isenção, eles também recomendariam ao presidente do Brasil que o assinassem. Se em algumas palavras dos árabes houve exageros, o Rabino Henry Sobel observou que coube ao presidente Lula desfazer mal entendidos com declarações que ''revelaram sensibilidade e bom senso.''

Outro exemplo de oposição feita a qualquer preço, sem o devido estudo da matéria, ocorreu na última quinta-feira quando o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) usou a tribuna para um discurso bombástico para fazer ''a mais grave denúncia que até então qualquer pessoa poderia imaginar sobre este governo''. Sobretudo porque a Igreja e todas as organizações religiosas iriam criticar severamente o que chamou de '' grande pecado''.

Ele disse ter descoberto no ''site'' do Ministério do Trabalho que o ministro Ricardo Berzoini estava promovendo a prostituição, estimulando jovens a se prostituir. Isto porque naquele ''site'' referente à categoria ''profissionais do sexo'' na lista da Classificação Brasileira de Ocupações, estava descrito o que normalmente fazem as pessoas que vivem de vender o seu corpo. Antero Paes de Barros estava à toda: ''Só faltava isso ao Brasil: um governo cafetão. Mas é isso o governo Lula'', disse, enfático.

Os senadores Arthur Virgílio (PSDB-AM), Romeu Tuma (PFL-SP) e Heloísa Helena (PSOL-AL) expressaram apoio às posições de Antero. Virgílio sugeriu que o ministro do Trabalho seja convocado para esclarecer os fatos. Tuma disse que Antero estava fazendo a leitura do que parecia ser um relatório policial. Heloísa Helena afirmou seu ''protesto e indignação'' em relação ao ato do ministério.

Logo após a sessão encontrei o ministro Ricardo Berzoini e lhe contei sobre o episódio. Se estivessem bem informados, os senadores teriam mudado os seus discursos. Quem foi o responsável pela criação da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), em cuja lista as profissionais do sexo estão, entre mais de três mil ocupações? Foi o presidente Fernando Henrique Cardoso e o seu ministro do Trabalho, Paulo Jobim, que anunciaram a nova CBO, em 10 de outubro de 2002, após extenso trabalho. A anterior era de 1972. Mais de sete mil pessoas pesquisaram sobre todos os tipos de ocupações realizadas pelos brasileiros, desde as de médicos, professores, engenheiros, advogados até as de cacique, mãe-de-santo, mestre de bateria de escola de samba; pajé, parteira, raizeiro - e também profissionais de sexo.

A nova CBO foi saudada, dentre outros, pelo economista Roberto Macedo, do PSDB, em artigo no Ö Estado de São Paulo'', de 17.10.2002: ''A CBO revela como o mercado de trabalho se estrutura no sentido ocupacional, descrevendo as ocupações existentes e a formação educacional necessária para exercê-las, entre outros aspectos.

A descrição do que constitui a atividade dos profissionais do sexo na CBO, portanto, não é incentivo do governo Lula nem do de Fernando Henrique à prostituição, mas um bom trabalho de pesquisa. A CBO constata que muitas pessoas no Brasil estão realizando essa atividade, e é importante se saber quantas a estão praticando. Uma vez bem caracterizada poderá o IBGE fazer o levantamento preciso e as autoridades governamentais, nos mais diversos níveis, com o apoio da sociedade civil e das entidades religiosas, tomar as providências para diminuir significativamente a prostituição.