Título: "Guerra fiscal tem origem política"
Autor: Kelly Oliveira
Fonte: Jornal do Brasil, 15/05/2005, Brasiília, p. D3

Termina no final deste mês o prazo estabelecido pelos governos do Distrito Federal e de Goiás para encerrar a guerra fiscal iniciada em abril. Entretanto, as secretarias de Fazenda do DF e Goiás ainda não se entenderam sobre a possibilidade de equalização das alícotas do Imposto sobre Circulação de Mercadoria (ICMS). O conflito foi iniciado por Goiás, que decidiu taxar os produtos vindos do DF em 5%. Em resposta, o Governo do DF ameaçou a tomar a mesma medida. Mas o governador do DF, Joaquim Roriz e o colega Marconi Perillo, de Goiás, decidiram recuar e tentar negociar uma solução para o conflito. Nessa entrevista o secretário de Fazenda do Distrito Federal, Valdivino de Oliveira, afirma que a guerra foi motivada por questões políticas, devido à sua possível candidatura ao governo de Goiás pelo PMDB, sendo que o atual governador do estado vizinho é do PSDB. Segundo Valdivino, as informações divulgadas pelos técnicos goianos sobre os incentivos do DF são ¿falseadas¿ e levaram o governador Roriz a cometer equívocos. Ele acrescenta que o GDF só aceitará a proposta de aumentar a cobrança do ICMS de empresas atacadistas do Distrito Federal, se Goiás reduzir os incentivos fiscais oferecidos aos empresários goianos.

- O governo de Goiás costuma acusar os programas de incentivos do DF de trazer empresas de lá para Brasília. Como o senhor avalia essa questão?

- Não tiramos empresa de Estado nenhum. Só queríamos que aqueles atacadistas que vendiam em Brasília, gerando impostos e emprego lá fora e levando a renda daqui, também estivessem aqui. Eles continuam nos outros Estados, mas a filial de Brasília vende para Brasília - isso é que é importante. Nós assentamos aqui cerca de 400 empresas, principalmente do eixo Minas-São Paulo. Essas empresas geraram cerca de 80 mil novos empregos na cidade, em cinco anos. É um programa que representou o maior crescimento de receita de ICMS ao longo desses últimos cinco anos. Estima-se que o crescimento anual do ICMS atacadista está na casa dos 34%, cada ano.

De que forma, então, a vinda de filiais para Brasília atingem a Goiás?

Goiás não tem nem 7% do comércio atacadista de Brasília - 93% do comércio atacadista são com outros Estados. Portanto, Goiás fala muito mais por questões políticas do que técnicas. Os benefícios fiscais que Goiás dá, muitas vezes são bem maiores do que os concedidos em Brasília. Goiás tem uma história de benefícios fiscais que já vai para mais de duas décadas. Nós temos apenas cinco anos de história de benefícios fiscais. Ficou bem caracterizado nessa questão que Goiás levantou contra Brasília que era uma questão muito mais de foco político do que de desenvolvimento econômico, de arrecadação de tributos.

- Quais seriam as vantagens de Goiás em relação à Brasília?

A balança comercial é altamente favorável a Goiás sobre Brasília. Apenas 7% de nossas vendas do comércio atacadista se destinam ao Estado de Goiás e portanto não temos como interferir na economia de Goiás como eles assim dizem. No entanto, eles interferem totalmente em nossa economia. Dependemos essencialmente de leite e seus derivados, de carne, cereais, produtos industrializados como remédios e automóveis, que vêm do Estado de Goiás para abastecer Brasília e recebemos esses produtos pacificamente sem criar qualquer confusão com o Estado de Goiás.

- O senhor afirma que essa guerra fiscal é uma questão política e não técnica. O conflito estaria relacionado com a sua candidatura ao governo de Goiás?

- Tudo leva a crer que sim. Porquanto a imprensa de Goiás, a imprensa que não entende muitas vezes do assunto, não são editores, nem jornalistas especializados na área financeira e tributária, são jornalistas muito mais especializados na área política, escreveram muita coisa contra mim. Não sei se motivados por informações errôneas que o Estado passou a eles, mas escreveram muita coisa contrária. A gente tende a crer que isso foi uma estruturação muito mais política do que técnica, embora nossa equipe esteja reunida para verificar se de fato havia alguma diferença técnica na tributação entre Goiás e Brasília que pudesse gerar descontentamento.

- Uma das propostas do governo de Goiás é que o DF aumente o ICMS cobrado dos atacadistas brasilienses. Existe essa possibilidade de equalização?

- Se Goiás retirar alguns benefícios que eles concedem, como créditos outorgados, aproveitamento de crédito do ICMS para pagar dívida ativa... Uma série de créditos que Goiás concede e que coloca o estado vizinho competitivamente muito acima de Brasília. Se Goiás entender que deve retirar alguns benefícios que concede, Brasília pode retirar alguns benefícios para que nossas regiões possam estar no mesmo patamar. Mas não são essas diferenças que apressadamente apontaram que constituem a realidade. Muitas pessoas que levam uma imagem para a imprensa, que levam uma imagem para o Estado de Goiás, completamente diferente da realidade. Às vezes o próprio governador toma decisões calcadas em informações que não são verdadeiras, que estão falseadas.

Quais foram as informações ''não verdadeiras''?

Segundo jornais de Goiás, o governador Roriz afirmou que os incentivos oferecidos pelo DF para os atacadistas geram um prejuízo anual de R$ 72 milhões. Isso não é verdade.

- Dessas reuniões, os técnicos de Goiás concluíram que o DF cobra somente 1% de ICMS dos atacadistas? Como é feito o cálculo para a cobrança do imposto?

- Não há essa questão de pagar 1% para o DF. É uma questão complicada. As pessoas que não entendem do ICMS, que não entendem do nosso regime, falam que nós cobramos 1% de ICMS. Nós temos uma taxa real que despreza os créditos. Goiás pode ter uma taxa maior, mas aproveita os créditos. Só temos 1% nos produtos essenciais. Nos produtos não-essenciais a carga efetiva vai até 4,5%. Muitos Estados já praticam isso. O Paraná cobra 4% de quem fatura até R$ 2 milhões de receita anual. Quer dizer, a nossa carga supera até a carga mínima de muitos Estados brasileiros, inclusive do próprio Estado de Goiás. É a forma de calcular o imposto que é diferente e dá essa idéia de que nós cobramos 1%. Na realidade nós cobramos 1%, mas aquilo que pagou na origem - 12% na região Centro-Oeste e no Espírito Santo, e 7% no Sul e Sudeste. Na realidade, nossa carga tributária varia de 8% a 13% porque nós desprezamos os créditos. Isso precisa ficar bem claro. É porque muitas pessoas que criticam às vezes não sabem nem como é o nosso sistema de cálculo de impostos.

- Goiás também argumenta que o DF recebe recursos do Governo Federal e isso facilitaria a concessão de incentivos aos empresários brasilienses. Com o senhor responde a esse argumento?

- Isso não tem nada a ver com Goiás. O governo do DF tem recursos porque agasalha aqui o governo federal. Nós damos segurança, educação, saúde, urbanismo para o Governo Federal e para as embaixadas. E não cobramos impostos do Governo Federal, nem das embaixadas. Isso é questão da capital da República. Todo mundo está preocupado com aquilo que recebemos da União e não se preocupam com aquilo que gastamos pelo fato de sermos a capital federal. Aqui nós recebemos 5 milhões de pacientes na saúde pública vindos de todas as partes do Brasil. E são custeados com recursos do DF. Não se pode misturar ICMS com desempenho financeiro, com relacionamento entre governo federal e governo estadual, porque não tem nada a ver uma coisa com a outra. Essa é uma argumentação de quem não tem o que falar, de quem não tem justificativas para os seus próprios benefícios.

- Como está o ''clima'' dessa negociação entre Goiás e DF?

- Está na fase de análise técnica. Temos técnicos que foram a Goiânia, 15 dias atrás, a uma semana atrás os técnicos de Goiânia vieram a Brasília. Na quinta-feira tivemos mais técnicos de Brasília em Goiânia estudando as legislações para ver se de fato existe alguma diferença para que os governadores possam decidir como acabar com as diferenças, se é que elas existem.

- E com relação ao Estado de São Paulo, continua também a guerra?

- A guerra fiscal ocorre no Brasil inteiro. Você tem guerra com o Paraná, com São Paulo, agora Goiás entrou na guerra contra nós. Com Mato Grosso, há muito tempo a gente luta e também com Minas Gerais. Isso é uma guerra que infelizmente só vai resolver com a reforma tributária, com a reforma do ICMS, ou se o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) aprovar um convênio para acabar com a guerra fiscal.

- Como estão as discussões sobre esse convênio?

- O Confaz se reúne a cada três meses, ordinariamente, e o convênio já esteve duas vezes no plenário mas não se chegou a um acordo sobre a sua redação. Não sabemos quando esse acordo virá, se na próxima reunião, se em algumas reuniões seguintes.

- O que prevê esse acordo?

- O acordo prevê a convalidação dos benefícios já concedidos, com um prazo de 11 anos para os incentivos fiscais, cinco para os incentivos comerciais e findo esse prazo não haveria mais incentivos.

- Qual é o papel do Confaz com relação à aprovação de incentivos fiscais concedidos pelos estados?

- Existem incentivos que foram aprovados pelo Confaz e existem incentivos à margem do Confaz. Todos os incentivos que estão no âmbito da guerra fiscal estão à margem do Confaz, por isso é que se chama de guerra fiscal.

- Os estados podem definir incentivos sem aprovação do Confaz?

- Vamos dizer assim: já que o tributo é de competência estadual, e a Constituição fala que as isenções e os benefícios são por lei estadual própria, então muitos Estados fazem por lei estadual, desrespeitando o Confaz. Então aqueles benefícios por lei estadual, mesmo que o Confaz não tenha aprovado, em princípio, são legais do ponto-de-vista do Estado. Não são legais do ponto-de-vista da confederação. O país é uma federação, tem 27 Estados, quando você analisa a relação desses 27 Estados, esse pacto federativo, um benefício para um Estado sem passar pelo Confaz é uma ruptura desse pacto federativo. Mas do ponto-de-vista legal, eles são porque são emanados de leis estaduais, emanados do código estadual.

- E a reforma tributária, de que forma afeta o Distrito Federal?

- Não aceitamos o texto que veio do Senado porque ele prejudica enormemente os Estados. Existem quatro pontos que não estão claros, como o seguro-receita, a forma de acudir os Estados que perderem receita. Fizemos uma proposta para que os Estados tivessem a liberdade de distribuir os produtos pelas cinco alíquotas e que os Estados tivessem também a liberdade de ter um seguro-alíquota para substituir o seguro-receita. O Fundo de Desenvolvimento Regional também não está ao gosto dos Estados. A reposição da Lei Kandir também não atende aos Estados e ao Centro-Oeste, que defendem a manutenção dos incentivos fiscais por mais 11 anos para as indústrias e por cinco anos para o comércio. Se o texto da reforma não contiver esses itens, é evidente que muitos Estados vão pedir as suas bancadas para que votem contra o projeto do governo.

- O senhor é pré-candidato ao governo de Goiás, cuida das contas do DF e é vice-prefeito de Goiânia. Como lida com essas tarefas?

- Estou licenciado da função de vice-prefeito. No momento, a minha única preocupação é fazer uma boa gestão na Secretaria de Fazenda de Brasília. Meu nome está à disposição do PMDB. Se o partido entender que devo ser candidato a governador, a senador, a deputado federal ou até mesmo a deputado estadual, estarei à disposição dele para concorrer. Evidentemente, só no próximo ano, porque neste momento sou apenas secretário de Fazenda de Brasília e vice-prefeito licenciado de Goiânia, e portanto, tenho que concentrar minha atenção na gestão fiscal de Brasília.