Título: Reforma pára e velhos costumes não mudam
Autor: Paulo de Tarso Lyra, Sérgio Pardellas e Sérgio Pra
Fonte: Jornal do Brasil, 16/05/2005, País, p. A2

Congresso parado, projetos importantes emperrados, relações políticas costuradas em cima da troca de favores são o retrato fiel de um sistema político-partidário que se esgotou. Todos os atores envolvidos propagam, aos quatro ventos, a necessidade de uma reforma política para reconstruir esse cenário. As idéias centrais do projeto que foram ventiladas até agora no Parlamento propõem lista fechada, fim das coligações proporcionais, cláusula de barreira para evitar partidos de aluguel e financiamento público de campanha. A solução, contudo, é quase utópica, já que a reforma hiberna na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, com chances quase nulas de ser votada.

- As pessoas têm medo de perder o poder que ostentam hoje. Reforma política só se faz com o confronto - resumiu o deputado Chico Alencar (PT-RJ).

Como toda mudança estruturante, os efeitos concretos seriam visíveis apenas ao longo do tempo. Mas poderiam ser decisivos na formação das alianças eleitorais com vistas às eleições majoritárias. Os partidos que selassem o pacto de união teriam que se manter fiéis um ao outro e, mais importante, aos princípios norteados por programas e idéias, durante toda a gestão vitoriosa nas urnas.

Esse compromisso político seria fundamental para que os governos pudessem, de fato, colocar em prática as promessas de campanha. E por outro lado, mexer em estruturas consideradas ultrapassadas como o sistema de tributos, do Judiciário e leis trabalhistas, por exemplo.

O presidente eleito teria consciência do tamanho da sua base de apoio, que não ficaria suscetível a ser desmantelada por qualquer crise circunstancial de relacionamento como ocorre no momento com Lula.

- É uma questão de governabilidade - definiu o cientista político David Fleischer.

Segundo ele, enquanto o país tiver um modelo partidário e eleitoral estruturado em cima de personalidades ou caciques políticos, como é hoje, as relações entre Executivo e Legislativo serão sempre instáveis.

- É preciso que haja um sistema construído em cima de programas e fidelidade à legenda, ou os partidos não terão controle sobre os parlamentares - acrescenta o professor Fleischer.

Um retrato fiel é a luta para a aprovação da reforma tributária no Congresso. O governo reuniu os 27 governadores, levou-os ao Congresso com as alterações propostas embaixo do braço e, passados mais de dois anos de mandato, o impasse persiste.

O PMDB, que se diz aliado do Planalto, deixa seus governadores fecharem um acordo para apoiar uma proposta defendida pela oposição. Outras reformas, como a trabalhista, sequer chegam ao Parlamento, tamanha a confusão que provocam entre os partidos de sustentação de Lula.

A reforma política também protegeria o eleitor em sua condição essencial ao exercício da cidadania: a legitimidade do voto. Hoje o eleitor não exerce mais controle sobre os caminhos do voto depositado na urna, entende a cientista política Lúcia Hipólito.

As distorções na vontade do eleitor são freqüentes e estão presentes de Norte a Sul do país. Com o voto proporcional, por exemplo, o eleitor corre o risco de votar na deputada comunista Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e eleger o diametralmente oposto, em idéias e concepção política, deputado Jair Bolsonaro (PFL-RJ). Com a lista fechada e o fim das coligações proporcionais, essa distorção seria corrigida.

A atual crise em que está mergulhada a articulação política do governo com o Congresso também é reflexo dessa salada partidária, cujas cores e sabores dependem do humor de quem está negociando nos dois lados do balcão. Na maioria das vezes, o que está em questão é o que o detentor da caneta tem a oferecer, em emendas parlamentares ou em cargos.

- Do jeito que funciona o modelo brasileiro, o presidente tem sempre de estar adubando a sua base. Tem gente que chama isso de fisiologismo - brinca Fleischer.