Título: A cartilha das doninhas
Autor: Ubiratan Iorio*
Fonte: Jornal do Brasil, 16/05/2005, Outras Opiniões, p. A11

Essa linguagem envenenada da esquerda, ouvida sem parar em bares e reuniões de intelectuais, cria em suas vítimas o hábito de não pensar

Em Dilbert and the way of the weasel, Scott Adams estabelece a proposição de que muitas pessoas - mais exatamente, aquelas que se deixam dominar pela ditadura do ''politicamente correto'' - agem como as doninhas, aqueles mamíferos capazes de sugar todo o conteúdo de um ovo, por um minúsculo furo que conseguem fazer, deixando-o aparentemente intacto. Assim, o autor introduz sarcasticamente a Zona da Doninha: uma gigantesca área cinzenta entre o bom comportamento moral e a criminalidade aberta, que é de onde nos ''exploram'' sem parar: chefes, empresários, fazendeiros, executivos, pessoas ricas, banqueiros, o FMI, Bush, Blair, Berlusconi, os países ricos, enfim, todos os bem sucedidos na vida. Em 27 hilariantes capítulos, Adams revela os segredos desses seres escorregadios, como reconhecê-los e como agem, denominando de weaseleze a língua oficial das doninhas, útil para ninguém entender o que é dito e confundir os inimigos, como parte da estratégia gramsciana em todo o mundo

Essa linguagem envenenada da esquerda, ouvida sem parar em bares, reuniões de intelectuais, congregações, assembléias de todos os tipos e expressa exaustivamente na mídia e por políticos, cria em suas vítimas o hábito de não pensar, substituindo a lógica pelos chavões e palavras de ordem. Ai de quem, sabendo pensar, recusa-se a falar esse dialeto maldito! É logo tachado de ''elitista'', ''conservador'' e - ignomínia das ignomínias! - ''politicamente incorreto''...

Ora, a linguagem que cada povo utiliza é um exemplo claro do que Hayek chamou de ''ordens espontâneas'', fenômenos que, embora produzidos pela ação humana, não resultam de planejamento nem de decisões pré-deliberadas, porque são processos que evoluem na sociedade à medida que a mesma vai sofrendo transformações e novos hábitos, usos e costumes são incorporados. Por exemplo, no Brasil, há 200 anos, falava-se ''vossa mercê'', que depois passou a ''vosmecê'' e a ''você'', já se ouvindo, em algumas regiões, até mesmo a corruptela ''cê''...

Tudo isso vem a propósito da cartilha recém-editada pela Secretaria de Direitos Humanos - e muito apropriadamente retirada de circulação -, uma comovente homenagem às doninhas e uma cartilha-maravilha em termos de autoritarismo, dessa mania intolerável que os esquerdopatas têm de nos quererem impor o que é politicamente correto ou não. Com toda a franqueza, li bem poucos documentos em minha vida tão carregados de parvoíce e presunção, de lorpice e falsa indução e de paspalhice e falta de visão!

Há pessoas neste governo pretendendo ensinar agora o povo a falar - só que do jeito que ''elas'' julgam correto -, o que nem filólogos de renome conseguiram, quando tentaram impor, por exemplo, o esperanto como a língua universal, o que se revelou uma utopia e um fracasso colossal, porque a linguagem que utilizamos é sempre algo espontâneo, deriva de nossos usos e costumes e não pode ser imposta do alto de cátedras nem de gabinetes oficiais.

Abaixo a linguagem sinistropata das doninhas! Somos cidadãos livres, donos de nossos narizes e temos o direito de nos expressar de acordo com a tradição herdada de nossos antepassados! A própria Secretaria de Direitos Humanos, já em seu título, é um exemplo de weaseleze - além de ser uma redundância -, dado que o Direito é uma ciência humana e, portanto, por definição, todo Direito é ''humano''... De minha parte - e, certamente, da de todos os que se recusam a serem doninhas - vou continuar chamando um mau motorista de ''barbeiro'', vou dizer que ''a coisa está preta'' quando o meu Fluminense estiver jogando mal e ponto final. Simplesmente, recuso-me a aceitar a ditadura do politicamente correto! A começar pelos cargos mais elevados da República, já se trata Camões mal demais em nosso país...

*Ubiratan Iorio é presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista- Cieep. Escreve às segundas-feiras nesta página. (lettere@ubirataniorio.org)