Título: Em busca do capital estrangeiro
Autor: Samantha Lima
Fonte: Jornal do Brasil, 16/05/2005, Economia & Negócios, p. A17

Empresas e governo aproveitam liquidez do mercado externo para acelerar captações, provocando entrada recorde de recursos

O Brasil recebeu, no primeiro trimestre de 2005, recursos estrangeiros em volumes não vistos desde 1998. Tais investimentos foram direcionados ao mercado de capitais brasileiro, passando longe do setor produtivo. O efeito da elevação da taxa de juros explica a enxurrada de dinheiro externo, mas não foi apenas o estrangeiro que partiu em busca da alta rentabilidade dos títulos públicos atrelados à Selic. Mais do que isso, são o governo e as empresas que aproveitam a liquidez externa para trazer capital.

Nos três primeiros meses do ano, o saldo dos investimentos estrangeiros em carteira (aplicações em ações e títulos), de acordo com o Banco Central, somaram US$ 5,8 bilhões. Em igual período do ano passado, representou US$ 2,45 bilhões. É o melhor resultado desde o segundo trimestre de 1998, quando somou US$ 9,4 bi.

Do total de ingressos líquidos, US$ 3,28 bilhões (56%) foram destinados a títulos de renda fixa de curto e longo prazo. Enquadram-se na categoria os títulos públicos, debêntures (emitidas por empresas), certificados de depósito bancário (CDBs) e títulos da dívida externa brasileira. Categoria na qual se incluem os títulos reajustados pela Selic, os títulos de renda fixa de longo prazo tiveram saldo líquido de US$ 170 milhões nos primeiros três meses do ano, quando vigorava o ciclo de altas iniciado em setembro. O resultado é o maior desde 2000. Mas muito inferior ao que tanto o governo quanto as empresas brasileiras buscaram lá fora: US$ 3 bi.

- A entrada de recursos estrangeiros se deve a dois movimentos que aproveitam o excesso de liquidez lá fora - explica a economista Daniela Prates, da Unicamp. Os bancos brasileiros estão buscando recursos no exterior a taxas de juros mais baixas para emprestar aqui dentro a custo maior, ganhando nessa arbitragem. Outro movimento é do governo e das empresas em geral, que estão antecipando a conclusão de seus programas de captação externa (nos três primeiros meses, o governo já tinha captado 75% dos US$ 6 bi programados para todo o ano de 2005, e há duas semanas captou mais US$ 500 milhões). Estrangeiros em busca de remuneração via Selic representam um volume muito menor.

O economista-chefe da RC Consultores, Marcel Pereira, lembra que os últimos anos de entrada elevada de capitais foram períodos de excessiva liquidez externa. E que, desta vez, a perda relativa de interesse por títulos dos Estados Unidos - país mergulhado em grandes déficits fiscal e comercial - colabora no excesso de recursos disponíveis.

- Neste momento, o Brasil passa a ser uma boa opção de investimento porque o apetite por riscos aumenta. Além disso, o Brasil melhorou alguns indicadores de vulnerabilidade, como a relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB), que caiu a 50%, o que não se via desde os anos 50.

Dos ingressos líquidos, o mercado de ações recebeu US$ 2,56 bilhões - ou 44% do total. Também foi um valor não visto em um trimestre desde os primeiros meses desde 1998, ao atingir US$ 3,8 bilhões. O ingresso bruto (sem o desconto dos papéis de que os estrangeiros se desfizeram) chegou a US$ 7,4 bilhões, também um recorde nos últimos sete anos.