Título: Outra bofetada no Brasil decente
Autor: AUGUSTO NUNES
Fonte: Jornal do Brasil, 17/05/2005, País / Coisas da Política, p. A2
Há 15 meses, a face decente do Brasil foi esbofeteada pela divulgação de um vídeo que eternizou Waldomiro Diniz na galeria dos larápios federais, alojado na ala reservada a extorsionários trapalhões. Então assessor do ministro José Dirceu na Casa Civil, cumpria-lhe representar o chefe em negociações com parlamentares. Na fita, Waldomiro contracena com outra flor do pântano: o bicheiro Carlinhos Cachoeira, também envolvido nas pilantragens que resultaram na recente cassação do deputado André Luiz.
Imagens e diálogos resumem o estilo do auxiliar (e amigo) de Dirceu. Em voz baixa (mas perfeitamente audível), expressão compungida de punguista aprendiz, Waldomiro diz ao empresário zoológico que, em troca da módica porcentagem de 1%, poderia ajudá-lo a lucrar no ramo das loterias oficiais. Outros integrantes da quadrilha teriam de levar algum, claro. Nada que assustasse um meliante bem-sucedido como Cachoeira. Escancarado o escândalo, o ladrão não foi demitido. Concedeu-se ao companheiro em desgraça o privilégio de exonerar-se "a pedido".
A conversa com Cachoeira, ressalve-se, ocorreu antes da chegada à Casa Civil. Mas logo se constataria que, instalado no Planalto, o homem do um por cento seguiu recheando a agenda com encontros suspeitos. Aquilo exigia pelo menos um inquérito, que ainda se arrasta preguiçosamente. Sobre Waldomiro não paira sequer a sombra de um processo judicial.
O governo petista decerto acreditou que, como tantas outras, também essa ossada acabaria na vala comum escavada pela má memória nacional. Errou. A exumação acaba de ser providenciada pelo PTB, partido integrante da aliança governista. É uma ironia, sublinhada por outra: o caso Waldomiro foi desenterrado pela descoberta de mais uma gravação que mostra a crescente desenvoltura dos corruptos nativos.
Divulgada pela revista Veja, a fita é estrelada por Maurício Marinho, versão petebista e boquirrota de Waldomiro. Entre cenas de roubalheira explícita - ele enfia no bolso, sem conferir a quantia, uma pilha de cédulas entregue pelo interlocutor -, Marinho descreve em minúcias a metodologia adotada para desviar-se dinheiro público destinado a organismos sob controle do PTB. E informa que o esquema é coordenado pessoalmente pelo presidente do partido, Roberto Jefferson.
Já no domingo, o deputado fluminense telefonou para José Dirceu. Primeiro, recordou a patriótica participação dos petebistas no esforço para abrandar os estragos causados por Waldomiro. Em seguida, deixou claro que chegou a hora da recompensa. Essa linha de argumentação foi encampada pelo coro dos figurões do PTB, que repassaram o recado ao presidente da República. Lula precisa estender a Jefferson o manto protetor que mantém Romero Jucá no Ministério da Previdência.
O mamute federal é cavalgado por 25 mil ocupantes de cargos de confiança preenchidos sem concurso. Bastam um bom padrinho e o endosso, obrigatório, da Casa Civil. Nessa multidão, predominam 16 mil militantes petistas. Em seguida, empatado com o PL, vem o PTB, com 2 mil afilhados. O mapa dos gabinetes administrados pela turma confirma a opção preferencial por organismos providos de muito dinheiro e incrustados nos subúrbios do Orçamento da União. Ali é mais fácil gastar sem cobranças. E, como se viu mais uma vez, roubar sempre que possível.
Até agora, ninguém colocou em dúvida a honradez de Lula. Esse traço de caráter deve guiá-lo na travessia da tempestade. Afaste os corruptos, presidente. E afaste-se deles enquanto é tempo. É só o começo. Mas tornará possível acreditar que, apesar de perdida a virgindade, o PT ainda não caiu na vida.