Título: Contagem regressiva para a crise
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Fonte: Jornal do Brasil, 17/05/2005, Internacional, p. A7
Oposição dos cocaleros radicaliza discurso e deixa presidente Carlos Mesa em situação cada vez mais frágil
LA PAZ - Apostando que o presidente Carlos Mesa não se sustenta no poder até o fim do ano, a oposição boliviana recrudesceu o discurso pela nacionalização total dos recursos energéticos do país. Em duas marchas iniciadas ontem, os manifestantes exigem reformas na Lei de Hidrocarbonetos, aprovada há 11 dias pelo Parlamento, e que estipula o aumento da tributação sobre as multinacionais que exploram gás no país. Entretanto, o texto não prevê a nacionalização e a anulação - sem indenização - dos contratos já existentes, que é a mais nova exigência dos opositores. A população também pede a realização de um referendo sobre a autonomia do departamento de Santa Cruz e denuncia que a indústria de energia boliviana está sendo vendida para empresas internacionais a um preço muito baixo.
A principal marcha é promovida pelo líder cocalero Evo Morales - chefe do principal partido opositor, o Movimento Al Socialismo (MAS) - que partiu da cidade andina de Caracollo até La Paz. Uma segunda caminhada, entre El Alto e La Paz, organizada pela Central Operária Departamental (COD) e pela Federação de Juntas Vicinais de El Alto, atraiu mais de 10 mil bolivianos. O comércio ficou fechado em toda a capital.
- O centro da cidade está totalmente congestionado. Há colunas humanas nas várias entradas de La Paz - afirmou o comandante da polícia de Trânsito, coronel Víctor Chávez.
Segundo o jornal boliviano La Razón, os manifestantes, furiosos com a aprovação da Lei de Hidrocarbonetos, que consideram branda, ameaçaram tomar o Congresso. A polícia reforçou a segurança diante dos prédios oficiais e se declarou preparada para realizar um trabalho de ''prevenção e dissuasão''. O comandante-geral, David Aramayo, afirmou que a ação se estendia às demais províncias bolivianas.
Em El Alto, que há 19 meses foi foco de uma insurreição popular que tirou do poder o presidente direitista Gonzalo Sánchez de Lozada, professores escolares e profissionais sindicalizados fizeram ainda uma paralisação de 24 horas. A 200 km dali, o protesto pacífico encabeçado por Morales reuniu centenas de pessoas. Uma terceira coluna saiu de Cochabamba com destino a Caracollo, para se juntar à marcha do MAS, que deve chegar a La Paz na segunda-feira.
Apesar de unida contra Mesa e a lei, a oposição diverge em alguns detalhes. A Central Operária demanda a nacionalização total da exploração do gás. O MAS, além da estatização do recurso, exige ainda que os contratos atuais sejam cancelados, e novos sejam feitos, dando mais controle ao Estado sobre a exploração.
Pressionado de todos os lados, Mesa tem até hoje, ao meio-dia, para vetar, modificar ou ignorar a lei. Neste último caso, o Parlamento tem permissão para promulgá-la. O mais provável, no entanto, é que ele a devolva para o Congresso, com anotações de ''observações conceituais'', embora a Constituição o obrigue a assinalar ''objeções específicas''. O presidente acredita que da forma como está redigida, prevendo 18% de tributação, a legislação é um ''suicídio'' para o país, pois iria invibializar investimentos estrangeiros no setor energético.
- A atitude do presidente, de não deixar claro qual será sua decisão, está criando incertezas na Bolívia. O país está num processo de descontrole nesse momento - criticou o analista independente Jorge Lazarte, ex-membro do Tribunal Eleitoral.
- As manobras acabaram para Mesa - afirmou o ex-ministro de Economia, Juan Careaga, lembrando da renúncia apresentada pelo presidente em março e rechaçada pelo Congresso.
A presidência havia alcançado acordos políticos e sociais com a direita, que acabaram falhando e isolando Mesa. Na semana passada, o governo chamou os parlamentares para uma reunião sobre a Lei de Hidrocarbonetos, mas o convite foi recusado pelos representantes do Congresso, que não queriam interferência na redação da legislação.