Título: Número de mortos pode chegar a 700
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Fonte: Jornal do Brasil, 17/05/2005, Internacional, p. A8

Líder de ONG de defesa aos direitos humanos diz que exército matou 200 em cidade próxima a Andijan

AIDIJAN - A estimativa do número de mortos de civis pelas forças policiais do Uzbequistão na última semana continua crescendo. De acordo com o jornal britânico The Guardian, 700 pessoas podem ter sido assassinadas durante manifestações contra o governo do país. Quinhentas delas em protestos na sexta-feira na sede governamental do país, Andijan, e outras 200 no sábado, em Pakhtabad, onde também houve distúrbios, revelou ontem Saidjahon Zaynabitdinov, líder do grupo uzbeque de defesa dos direitos humanos Appelatsia.

- As pessoas estão aterrorizadas, não protestarão mais - contaram ontem alguns professores de Andijan durante uma paralisação forçada, já que todas as escolas estão fechadas até segunda ordem.

Um deles, que leciona Educação Física e esteve presente à manifestação de sexta-feira, atribuiu a insurreição às más condições de vida.

- O confronto era previsível. O povo vive mal, os aumentos de salários são mínimos, enquanto os preços dos produtos se multiplicam por três.

Um colega seu, que dá aulas de Artesanato, se mostrou pessimista:

- A situação está muito ruim e nada mudará depois deste distúrbio.

Os professores se reuniram ontem no pátio de uma escola para trocar informações sobre a situação, já que a TV praticamente não noticiava o que estava acontecendo. Eles também foram ao local para conseguir leite - um vigia da escola ordenhava uma vaca.

- Os prisioneiros libertados [pelos insurgentes]diziam que não desejavam que se disparasse contra o povo - explicou um dos docentes, acusando indiretamente os soldados de desencadearem o enfrentamento.

Segundo ele, os integrantes do movimento Akromiya, cujo julgamento parece ter sido o estopim da insurreição, ''são homens de negócios pacíficos''.

Ontem, era grande o número de pessoas que caminhava pelas ruas de Andijan. Algumas lojas voltaram a abrir as portas.

Diante de um dos necrotérios, muitos esperavam para reconhecer ou encontrar os corpos de seus familiares.

- Viemos buscar ontem nosso irmão mais novo, mas fomos informadas de que outros corpos serão trazidos esta manhã - ressaltaram três mulheres.

Segundo analistas, os sangrentos acontecimentos no Uzbequistão, o país mais povoado da Ásia Central, levanta a discussão sobre o papel do combate ao fundamentalismo islâmico que o regime do presidente Islam Karímov se atribuiu com o apoio da Rússia e dos EUA - que mantêm uma base no país, cedida para a guerra no Afeganistão.

De fato, a repressão militar iniciada sexta-feira não foi condenada por qualquer país ocidental. O mesmo aconteceu em dezembro de 2004, quando o Uzbequistão realizou as primeiras eleições legislativas desde 1999, supervisionadas pela OSCE, mas na qual nenhum partido opositor pôde concorrer.

Apenas a ONU e a Anistia Internacional, ontem, se manifestaram sobre a questão. Em comunicado, o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, expressou preocupação com a perda de vidas e condenou a violência em Andijan.