Título: A arte de ser especial
Autor: Monique Cardoso
Fonte: Jornal do Brasil, 17/05/2005, Caderno B, p. B1

Formado por atores de várias idades e muitos talentos, todos com Síndrome de Down, o grupo Teatro Novo mostra, em três espetáculos no CCBB, como o convívio no palco e a relação com o público podem ser uma das formas de ajudar os portadores da doença a se integrar socialmente

Frio na barriga, nervosismo, unhas roídas. Para a maioria dos atores, os dias que antecedem uma estréia teatral são mesmo cheios de ansiedade. Não poderia ser diferente para os integrantes do grupo Teatro Novo, que apresenta, a partir de amanhã, três peças dentro da mostra Arte, Diversidade e Inclusão Social, no Teatro II do CCBB. O grupo é heterogêneo: há atores de todas as idades e com versatilidade suficiente para representar vários papéis. Em comum, eles têm o amor pelo palco, a satisfação com os aplausos e os olhinhos puxados, um traço da Síndrome de Down. - O teatro é muito especial pra mim, me fez crescer, gosto muito de me apresentar - diz Paulo César Monsores. - Em O Aleijadinho, faço o pai do personagem principal.

Paulo César participa também da montagem de O menino, em que representa quatro papéis, e de Momentos em família, em que vive uma criança que quer aprender a dançar, mas os pais não permitem. Paulo conta que as peças abordam questões sérias, como o fato de seu personagem não ser aceito na escola por ser portador de Down.

O grupo Teatro Novo existe há 15 anos e é dirigido pelo psicólogo Rubens Emerick Gripp, que considera o trabalho lúdico tão ou mais importante para os deficientes quanto as terapias convencionais. O psicólogo é diretor das peças e ministra oficinas no Rio, no Teatro Cacilda Becker, e em Niterói, no Centro Integrado Pendotiba. Emocionado, ele fala do desempenho dos alunos:

- As pessoas estão acostumadas a ver o deficiente sempre levado pela mão, fixaram uma imagem de dependência. No palco eles são sujeitos, com domínio da situação.

Rubens conta que não tem a pretensão de formar profissionais e que o objetivo do seu trabalho é fazer com que o teatro seja um meio de tornar os portadores de Down mais independentes, conscientes de seu papel em sociedade.

Os atores não decoram as falas de forma convencional, eles as criam espontaneamente. Mas todos se preocupam em seguir um argumento principal e chamam a atenção dos colegas que fogem do tema. Baseadas no cotidiano, as histórias vão do humor ao drama, e os atores não deixam a peteca cair. O improviso dita o ritmo e não pode haver branco. O mais importante é despertar a emoção do público, que muitas vezes é chamado a interagir.

Como estrela de novela, Lúcia Maria Forneiro mantém sigilo sobre sua personagem em O Aleijadinho, peça inédita montada especialmente para a mostra no CCBB:

- Não quero estragar a surpresa do público, mas tenho certeza que todos vão adorar. Só posso adiantar que faço uma escrava.

Diferentemente do que muitos podem imaginar, a Síndrome de Down não é o maior problema do Teatro Novo. Lúcia conta que ela e os colegas enfrentam a mesma dificuldade da maior parte das companhias brasileiras: falta de apoio.

- É importante pra nós divulgar esse trabalho porque não temos patrocínio - diz Lúcia, pedindo licença para encerrar a entrevista porque estava atrasada para a manicure.

Participar do grupo de teatro é um estímulo para melhorar o comportamento e a desenvoltura dos portadores de Síndrome de Down. Segundo Rubens Gripp, o psicodrama é um meio mais fácil para discutir com os alunos questões da vida em sociedade, um ensaio para a vida real. Afinal, encontrar endereços sozinho na rua, pegar ônibus, falar ao telefone, freqüentar escola e cursos, pagar contas no banco são tarefas que todo mundo tem. O noticiário é também fonte de debates.

- Gosto muito de ler jornais, principalmente a parte de televisão e esportes. E economia, que é fundamental pra minha personagem - pondera Fernanda Honorato, que interpreta a jornalista Ana Paula Padrão em Momentos em família.

Fernanda argumenta que em suas falas precisa sempre dar notícias atualizadas para o público. Ela freqüenta a oficina do Cacilda Becker há um ano e recentemente fez uma participação, com outros colegas, no seriado Carga pesada, da Globo.

Além de convidar o público a se surpreender com o desempenho dos atores do Teatro Novo, o diretor ressalta que dois lugares na platéia estão reservados para um casal de convidados: o jogador Romário e sua mulher, Isabella, que em março tiveram uma filha, Ivy, com Síndrome de Down:

- Limitações todo ser humano tem e todo filho é especial - tranqüiliza Rubens.

O Aleijadinho será apresentada amanhã, às 12h30, e na sexta-feira, às 19h. O menino, na quinta, às 15h; e Momentos em família, na sexta, às 12h30. Esta sessão vai contar com a presença de um intérprete de língua brasileira de sinais.