Título: O canto das mulheres do Brasil
Autor: Danyella Proença
Fonte: Jornal do Brasil, 17/05/2005, Brasília, p. D8

Cantoras de feiras, artesãs, rezadeiras e trabalhadoras rurais dividirão o palco do CCBB com artistas já consagradas

Mulheres brasileiras de regiões, culturas e idades diferentes. Em comum, apenas o fato de utilizarem o canto como principal instrumento de trabalho. Para reunir todas essas vozes - muitas vezes difusas e anônimas - a produtora carioca Lu Araújo resolveu criar o projeto Encantadeiras, que estréia hoje no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Cantoras de feiras, artesãs, rezadeiras e trabalhadoras rurais dividirão o palco com artistas já consagradas. A intenção é homenagear as mulheres e mostrar como o canto, mesmo em diferentes contextos, pode ser usado para promover a paz. Serão dois shows a cada terça-feira, até o dia 7 de junho. Os encontros promovidos são inusitados e prometem um passeio por tradições culturais geralmente desconhecidas. A primeira atração reunirá a cantora baiana Virgínia Rodrigues e o Cortejo Brincante Abayomi, do Rio de Janeiro. Na próxima semana, será a vez das Ceguinhas de Campina Grande cantarem ao lado do grupo Mawaca, que pesquisa músicas de diferentes etnias. Depois, as Quebradeiras de Coco do Babaçu unirão seu canto de protesto com a rapper Nega Gizza. A última apresentação trará a poetisa Elisa Lucinda e as Encomendadeiras de Alma de Correntina.

Segundo Lu Araújo, idealizadora e diretora de arte do projeto, a combinação das ''duplas'' não foi aleatória. Todas têm, de certa forma, traços que justificam o encontro no palco. Lu, que há anos vem pesquisando o folclore brasileiro em suas viagens pelo País, conta que a idéia para o Encantadeiras surgiu por acaso. Um dia, ao ver uma reportagem na televisão sobre as Quebradeiras de Coco do Babaçu, ela ficou encantada com o poder de mobilização do canto daquelas mulheres. O foco da reportagem não era a música, mas as vozes que formavam o cortejo de trabalhadoras rurais inquietaram a produtora carioca, que partiu em busca de novos nomes para o projeto.

A partir daí, Lu Araújo decidiu levar essas tradições para o palco. Segundo ela, o aspecto que mais a fascinou foi o fato de todas as trabalhadoras convidadas utilizarem o canto para transformar em arte uma situação muitas vezes sofrida. A separação entre arte e canto de trabalho é, aliás, um dos mitos que a produtora pretende romper. Ela acredita que é preciso enxergar as tradições como símbolos de um ''Brasil especial'':

- A gente precisa acabar com esse elitismo. A arte hoje fica limitada a determinados formatos ou conceitos. Cultura é uma coisa muito maior do que isso. Levar essas tradições para o palco é desafiador, mas ao mesmo tempo dá um prazer muito grande saber que isso pode transformar a vida dessas pessoas e apresentar novas oportunidades - diz a produtora.

Lu conta que as Quebradeira de Coco do Babaçu, por exemplo, já pensam em fazer carreira artística. O projeto Encantadeiras marca a primeira vez em que as trabalhadoras rurais pisam um palco. Embora a expectativa seja grande, as cantoras das fazendas do Maranhão fizeram uma exigência: quebrar o coco do babaçu no show, exatamente como fazem no cotidiano. Para atender ao pedido, a produção precisou trazer vários quilos de coco. De acordo com a poetisa Elisa Lucinda, que também participa do projeto, esse compromisso com o contexto original em que o canto está inserido é a grande virtude do Encantadeiras:

- É preciso entender que o canto de uma lavadeira, por exemplo, tem uma função social fortíssima. Aquilo diz que ela está trabalhando, é a música da tarde daquela comunidade. Fiquei muito honrada em participar desse projeto porque o público poderá ver que a arte também diz respeito a essas mulheres, que trabalham anonimamente em relação à midia - afirma.

Serviço

Encantadeiras. De hoje a 7 de junho, sempre às terças-feiras. Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Horários: 13h e 21h. Ingressos: R$ 15 e e R$ 7,50. As apresentações das 13h são gratuitas. Informações: 310-7087