Título: A "boa hora" ficou melhor
Autor: Ideli Salvatti*
Fonte: Jornal do Brasil, 07/05/2005, Outras Opiniões, p. A11

A vida é quente, agita-se em nossas mãos e anuncia sua presença com um lindo choro, de fazer chorar. Esta definição de vida é de um pai, com brilho nos olhos ao recordar a experiência única que é dar as boas vindas a um filho, vendo-o nascer, ao lado da mãe, e tendo o privilégio de poder segurá-lo nas mãos. Ele não tem dúvida de que seu filho nasceu cercado de tanto carinho, que esse afeto contagiou não apenas os pais, aprofundando o vínculo familiar, mas a própria equipe médica e de auxiliares. Naqueles instantes mágicos do parto, todos pareciam fazer parte da mesma família. A mulher sentiu-se mais segura. E os procedimentos técnicos deixaram-se esquentar pelo calor humano daquele múltiplo nascimento: da mãe, do pai, do bebê e da família.

Essa percepção empírica tem recebido cada vez mais amparo científico, particularmente por parte daqueles profissionais que buscam diminuir riscos e melhorar a condição da saúde física e emocional da mulher e do bebê através do chamado parto humanizado. O acompanhamento da gestante por alguém de sua livre escolha é realidade em diversos países, há algum tempo, com excelentes resultados. Para orgulho dos catarinenses, a Maternidade Darcy Vargas, em Joinville, e o Hospital Universitário (HU) da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, tornaram-se referências nacionais nesta prática. De acordo com levantamento do HU, por exemplo, um dos benefícios verificados foi a redução do tempo de internação na maternidade em cerca de 30%. Efeito que alimenta um outro forte argumento em defesa da medida: a diminuição do tempo de internação traz economia ao SUS, liberando mais recursos para melhorar a saúde em nosso País.

Colocar na legislação o direito ao acompanhante antes, durante e após o parto foi igualmente um pioneirismo catarinense, com a Lei de minha autoria e do então deputado estadual Volnei Morastoni, médico pediatra e atual prefeito de Itajaí. Felizmente, a mesma compreensão que o Parlamento de nosso estado teve em 2002 repetiu-se este ano no Congresso Nacional, que tratou o com agilidade o projeto ao qual dei entrada em 2003, o que possibilitou sua aprovação em tempo relativamente curto. Desde o último dia 8 de abril o direito ao parto acompanhado em qualquer hospital público ou conveniado ao Sistema Único de Saúde (SUS) é Lei nacional, com apoio do governo Lula, que o colocou em destaque nas ações do Ministério da Saúde e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.

Verdadeiro presente para as novas mães às vésperas de seu dia, a Lei, contudo, tal qual uma criança, não deve nascer e tampouco crescer sozinha. Ela precisa de companhia. A começar das próprias mães, pais e de seus familiares. A Lei necessita também da imprescindível companhia da comunidade médica e de todos os profissionais envolvidos neste momento em que a técnica une-se à emoção humana para tornar melhor e mais belo ainda o ato de dar à luz. Mas precisa também da mídia, que com o debate público que pode proporcionar sobre seus benefícios, sem dúvida vai ajudar decisivamente no convencimento daqueles que ainda tenham dúvida sobre a eficiência do parto acompanhado. Um ato tão simples como dar a mão ou lançar um olhar de cumplicidade, mas que já transformou a ''boa hora'' - expressão popular para o desejo de um bom parto - em algo bem melhor.

*Ideli Salvatti é vice-líder do governo no Senado e autora da Lei de acompanhamento no parto