Título: Mães-meninas, entre a gravidez e a escola
Autor: Miguel Jorge*
Fonte: Jornal do Brasil, 07/05/2005, Outras Opiniões, p. A11

Dois problemas em apenas um devem chamar a atenção do governo federal, dos Estados e dos municípios, sobretudo os do Norte e Nordeste, que se preocupam com a evasão escolar e a gravidez de crianças e adolescentes: a maternidade precoce - terceira causa de óbitos entre as jovens brasileiras - e o abandono da escola devido à gestação prematura.

No primeiro caso, o Estado brasileiro, em todos os níveis, se ausenta do problema ou mantém certa indiferença, deixando a cada criança ou adolescente grávida, geralmente em péssimas condições de saúde, ou mesmo a cargo da sociedade, resolver a questão da gravidez prematura. Situação muito diversa do que ocorre nos países do Primeiro Mundo, com modernas instituições hospitalares, assistência médica adequada etc. No segundo caso, do abandono da escola, é incrível que não se tomem medidas para prevenir a gravidez precoce e para conscientizar as meninas-mães de que precisam continuar estudando para darem aos filhos melhor condição de vida.

Entre 2001 e 2003, nasceram no Brasil 82.894 bebês saídos do útero de mães-meninas ou adolescentes com idades de 10 a 14 anos, muitas semi-analfabetas, enquanto outros dois milhões de bebês vieram à luz de adolescentes e jovens entre 16 e 19 anos. Por mais que um caso seja diferente do outro, pode-se presumir que, no interior, na periferia das metrópoles, nos grotões do Norte e Nordeste, a gravidez precoce esteja se transformando num problema maior para a educação que a falta de professores e a má qualidade do ensino. E também para a saúde pública: o número de mortes por gravidez precoce só perde para as causadas por assassinatos e acidentes de transporte, revelam recentes pesquisas, duas da Unesco (Juventudes Brasileiras e Juventudes e Sexualidade) e uma do Ministério da Saúde (Saúde Brasil 2005).

Isso faz pensar por que, em muitos casos, no Brasil mais recôndito, a escola pública não cumpre sua finalidade de orientar as crianças e adolescentes para a vida, quando muito se limitando a ensiná-las a ler e escrever?

Teorias à parte, os estudos mostram que, no Nordeste, mais de 10 mil bebês que nascem de mães-crianças ou adolescentes (entre nove e 13 anos), de famílias com pais inexperientes, já tinham tido iniciação sexual. Em Pernambuco, estado natal do presidente Lula nasceram em 2003 mais de 1.500 bebês de mães - pasmem todos! - entre 10 e 14 anos, conforme dados do Ministério da Saúde.

Mas essa é a outra face de um país que, de 1996 a 2003, aumentou em 104% o número de professoras - comparado ao contingente de professores homens, que cresceu 69,2% -, e no qual o crescimento das mulheres com mestrado subiu 119,4% ante os 106,1% dos homens.

Para dissecar melhor a questão, seria preciso acrescentar que, no País das doutoras e dos mestres, as meninas-mães, que ainda se afastam da escola, deveriam receber acompanhamento para que pudessem escolher com mais certeza seus caminhos e possibilidades.

Recentemente, durante as comemorações do Dia Internacional da Mulher, o presidente Lula anunciou financiamentos do governo federal às agricultoras. Assim, torna-se oportuno, portanto questionar quanto tempo será preciso para aproximarmos o Brasil das meninas-mães do Brasil no qual a gravidez precoce, pelo menos, não inviabilize a ida à escola.

*Miguel Jorge é vice-presidente de Recursos Humanos e Assuntos Jurídicos e Corporativos do Santander Banespa