Título: Todos contra as medidas provisórias
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 19/10/2004, O país, p. A-3

Presidentes do Senado e Câmara, além de outros parlamentares, se unem para impedir que votações permaneçam paralisadas

O líder da oposição na Câmara, José Thomaz Nonô (PFL-AL), começa a recolher hoje as assinaturas para um projeto que propõe a criação de uma comissão mista, permanente, destinada a avaliar a relevância e a urgência das medidas provisórias editadas pelo Planalto. O excesso de MPs soterrou o Congresso este ano. Neste momento, 20 delas trancam a pauta de votações da Câmara. Os líderes da bancada governista, o presidente da Casa, João Paulo Cunha (PT-SP) e o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, almoçam hoje para tentar buscar uma saída para a crise.

A Constituição prevê que toda MP precisa ser analisada por uma comissão específica, criada exclusivamente para estudá-la, antes de chegar ao plenário. Só que a idéia não deu certo, na prática. Apenas uma MP - a que elevou o salário mínimo para R$ 260 - foi analisada preliminarmente por uma comissão. Todas as demais aterrissam diretamente em plenário, para serem votadas ou para atravancar os trabalhos legislativos.

A proposta de Nonô é diferente. A Comissão seria permanente, com integrantes titulares e suplentes, a exemplo do que ocorre com a Comissão Mista de Orçamento. Chegou uma MP na Casa, vai direto para a Comissão. Se for urgente e relevante, a tramitação prossegue. Caso contrário, o processo é sustado de imediato.

- Todo mundo sairia ganhando. Evitaria que surgissem relatores de plenário, fazendo um texto apressado, sem que o assunto tenha sido debatido - justificou o líder da oposição.

A enxurrada de MPs no Congresso não preocupa apenas Nonô. Tanto o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP) quanto do Senado, José Sarney (PMDB-AP) têm dado seguidas declarações reclamando que o Legislativo está amarrado diante do excesso de medidas provisórias editadas pelo Planalto. Todos querem encontrar um caminho para diminuir o incômodo. Há propostas de todos os tipos.

- A idéia do deputado Nonô é mais uma, que se soma a tantas outras que tramitam na Câmara - confirmou o líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES).

Para o parlamentar capixaba, a curto prazo, pouca coisa pode ser feito para resolver o impasse. A médio e longo, resta a possibilidade de unir todas as idéias e encontrar uma solução para o problema. Ele mesmo também tem uma proposta.

- Enquanto o governo tiver a prerrogativa de editar MPs, com vigência imediata, continuará fazendo isso. É muito cômodo para o Executivo - reconheceu Casagrande.

Para ele, a principal batalha é diminuir o prazo de tramitação das MPs no Congresso, forçando os deputados a votá-las mais rápido, antes que comecem a obstruir os trabalhos parlamentares. Ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) reconhece que, cada vez que o Executivo edita uma medida provisória, diminui o papel do Poder Legislativo.

- Para piorar, temos atualmente quase duas dezenas delas esperando para serem votadas, o que coloca o parlamento em um estado de obstrução quase permanente - resumiu.

O petista teme, contudo, que uma comissão exclusiva para tratar de MPs acirre ainda mais os conflitos entre o Congresso e o Planalto. Lembra que, por lei, cabe ao Executivo definir o que é urgente e relevante, complementando que o governo pode achar que algo seja importante e o Congresso discordar da iniciativa.

Para diminuir as possibilidades de atrito, sugeriu que a urgência e a relevância das MPs passem a ser julgadas pela CCJ, como acontece, por exemplo, nos casos de emendas constitucionais. Segundo ele, bastaria ampliar as prerrogativas da Comissão. Nonô não concorda com seu colega parlamentar.

- A CCJ não consegue limpar a própria pauta. Vai aceitar mais uma atribuição? - questionou.

O líder do PPS na Câmara, Júlio Delgado (MG), considera fundamental uma limitação na edição de MPs. Segundo ele, se fosse estabelecida uma cota máxima, semestral, para edição das medidas provisórias, o governo seria obrigado a ser mais criterioso. Ele teme o poder excessivo de uma comissão para examinar MPs.

- Em um ano como esse, no qual praticamente só votamos medidas provisórias, a Comissão seria um ''congressinho'' paralelo - definiu.

Em São Paulo, Aldo Rebelo demonstrou otimismo no destrancamento da pauta. Ele afirmou que espera a retomada das votações do Congresso ainda esta semana.

- Estamos certos de que o deputado João Paulo Cunha e o senador José Sarney terão êxito neste esforço - apostou.