Título: País começa a perder investimentos
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Fonte: Jornal do Brasil, 19/05/2005, Internacional, p. A7

Empresas reagem à aprovação de lei que taxa produção e altera contratos congelando projetos. Presidente é criticado

LA PAZ - Depois de verem o Congresso promulgar a polêmica Lei de Hidrocarbonetos, que aumenta para 50% a tributação sobre exploração de petróleo e gás na Bolívia, as petrolíferas que operam no país anunciaram o congelamento, por tempo indefinido, dos investimentos em novos projetos. O anúncio foi feito pelo presidente da Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos (CBH), Raúl Kieffer.

Em entrevista ao jornal La Razón, Kieffer acrescentou que, por enquanto, nenhuma companhia pensa em deixar a Bolívia. No entanto, Petrobras, Repsol YPF, Totalfinaelf e British Petroleum não descartam recorrer aos tribunais.

- As associadas à CBH receberam com preocupação e frustração a promulgação da lei - justificou o presidente do órgão, na província de Santa Cruz - maior pólo econômico da Bolívia, que luta por autonomia.

O La Razón publicou um relatório preparado pela YPBF - a estatal energética boliviana, parcialmente privatizada nos anos 90 - onde consta que, só para o Brasil, o volume de exportação de gás no ano passado chegou a US$ 540,9 milhões. Pela nova lei, as empresas serão obrigadas também a fazer alterações nos contratos em até 180 dias, para adequá-los. Com isso, parte da atividade será estatizada e controlada pela YPBF.

Como reflexo, aponta Kieffer, os projetos elaborados para agregar valor ao gás boliviano serão eliminados ''dos planos das petrolíferas'', que terão de pagar 32% de imposto sobre a produção, além dos 18% já cobrados como royalties. Um deles é a construção de uma petroquímica na fronteira com o Brasil e de um gasoduto interligando o país à Argentina.

Além disso, a nova lei vai ''afetar negativamente'' os futuros investimentos e o desenvolvimento da indústria.

- A legislação tem um caráter de confisco que afeta os direitos reconhecidos pelos contratos - criticou Kieffer.

A mesma reação teve o presidente da Confederação de Empresários Privados da Bolívia, Roberto Mustafá. Segundo ele, a Lei de Hidrocarbonetos condena o país a viver ''no subdesenvolvimento''. Ele também acusou o presidente Carlos Mesa de ''lavar as mãos'' e tomar uma atitude ''irresponsável'', ao devolvê-la ao Congresso sem qualquer observação.

Para Gabriel Dabdoub, presidente da Câmara de Indústria, Comércio, Serviços e Turismo de Santa Cruz, o texto dificulta a obtenção de ajuda estrangeira. Apesar das críticas do setor, o aumento de impostos vai abastecer os cofres públicos com US$ 320 milhões adicionais anualmente.

O líder do Movimento ao Socialismo (MAS), Evo Morales, desistiu de viajar ontem para o Brasil, onde teria reuniões parlamentares, inclusive com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti. Santos Ramírez, parlamentar da delegação boliviana, justificou o adiamento pela ''conjuntura política''.

O MAS se concentra agora em apresentar um projeto de de modificação da Lei de Hidrocarbonetos. O ponto mais crítico do texto, afirmam os opositores, é tornar o imposto complementar de 32% dedutível e descontável, não garantindo, portanto, o repasse ao Estado. Morales rechaça a lei porque ela ''ainda atende'' o interesse das transnacionais de petróleo.

Em La Paz, as manifestações populares continuaram ontem. No fim do dia, o governo anunciou um acordo com os mineradores que, desde segunda-feira, bloqueiam 12 estradas de La Paz, Oruro, Cochabamba e Potosí. Cerca de 200 veículos, a maioria de carga, estavam parados na principal estrada que liga a capital ao interior e aos portos chilenos de Arica e Iquique, principal rota do comércio boliviano.