Título: Censura de toga
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 18/05/2005, Opinião, p. A10

Três sentenças determinadas pela Justiça - em que censores fardados foram substituídos por censores togados - desvendaram, nas últimas semanas, a perturbadora dimensão da insensatez, cristalizada no espírito saudosista que deseja reviver um passado obscurantista. Na primeira das decisões, a Justiça de Goiás impôs ao jornalista esportivo Jorge Kajuru 18 meses de prisão domiciliar, mas longe de seu domicílio. Na semana passada, nova aberração: a apreensão do livro do jornalista Fernando Morais, Na toca dos leões, que conta a trajetória da agência de publicidade W/Brasil, de Washington Olivetto. Não contente com a sentença, o juiz da 7ª Vara Criminal de Goiânia embargou qualquer reação pública do escritor e da editora, sob pena de serem multados em R$ 5 mil a cada manifestação.

Para fechar o lamentável ciclo dos disparates, veio a decisão de desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia, proibindo a exibição de reportagem da Rede Globo que mostrava deputados estaduais pedindo propina ao governador Ivo Cassol (PSDB) para não aprovar o impeachment dele na Assembléia Legislativa. Os cidadãos daquele estado foram impedidos de assistir à reportagem.

Uma evidente censura prévia. É grave que as três decisões avancem vorazmente contra a liberdade de imprensa, um dos pilares institucionalizados pelos países dignos de serem chamados de democracias. Afrontam o direito de informar e de ser informado.

No caso do livro de Fernando Morais, ficou evidente o exagero da interpretação da Justiça. Os ofendidos pelo conteúdo da obra têm o direito legítimo de recorrer aos tribunais para tentar penalizar eventuais equívocos cometidos pelo autor e obter reparos específicos. Magistrados, porém, não podem assumir o papel de censores e impedir o acesso dos leitores. Trata-se de uma agressão à Constituição. O episódio de Rondônia constitui outra restrição à imprescindível circulação de informação. Sobretudo quando se sabe que os fatos revelados expõem um desrespeito aos princípios que regem a administração pública - a moralidade, a impessoalidade e a eficiência.

Tudo somado, convém torcer para que as instâncias superiores da Justiça recusem tais afrontas. Não foi a primeira vez, desde o fim do regime militar, que atos do gênero ocorreram. Teme-se que não seja a última. Insista-se: neste assunto, não há como transigir. Qualquer tolerância é a senha para retrocessos repelidos pela sociedade.