Título: A esperança necessária
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 20/05/2005, País / Coisas da Política, p. A2
Desmoralizado o instituto da representação parlamentar, submetida ao Banco Central a política econômica, privatizadas as atribuições do Poder Executivo, o Estado não representa mais o povo. É empresa em falência, com os sócios disputando o que lhes resta. Sem a plena confiança nacional, é escassa a legitimidade das instituições para legislar e administrar a República. Essa é a constatação de um grupo de pessoas conhecidas que começou a articular-se, a fim de sugerir a imediata convocação de uma assembléia nacional constituinte, desvinculada dos partidos políticos, dos integrantes do Congresso e do Poder Executivo. O Congresso, é o que esperam, entenderá que não há outro meio, senão o de convocá-la, a fim de retomar o caminho de reconstrução democrática do Estado, iniciado em 1985 e interrompido pela violação da Constituição de 1988, mediante emendas obtidas só sabe Deus como.
A idéia, empurrada pela urgência das últimas horas, é a de que os delegados constituintes não exerçam nem tenham exercido cargos eletivos ou de direção partidária, e sejam escolhidos nas circunscrições eleitorais. A Constituinte de cidadãos teria prazo determinado para elaborar o documento e seria dissolvida em seguida. O fato é que uma sociedade nacional não pode ficar sem saída, sem esperanças, sem expectativas. Quando não se sabe o que fazer, o povo - mais sábio do que as elites - deve ser ouvido.
São muitos os escândalos aos quais a nação assistiu entre o constrangimento e a indignação. Começaram - nestes últimos anos - com o Proer e se seguiram com a doação de bancos nacionais aos estrangeiros. Segundo os jornais, houve compra de votos para a obtenção das emendas constitucionais, entre elas a da reeleição. A evasão de divisas, via Banestado, estimada em US$ 80 bilhões, contou com a cumplicidade do Banco Central, confessada pelo seu presidente ao Senado. O "socorro" ao Sr. Cacciola custou ao povo mais de US$ 2 bilhões. A privatização do sistema elétrico e de telecomunicações, financiada com dinheiro público, está eivada de fundadas suspeitas. Os contratos de concessão garantem o aumento indexado das tarifas públicas - o que gera a inflação. Os juros altos multiplicam os lucros dos banqueiros e dos agiotas menores. O assalto continuado aos cofres públicos pelas quadrilhas instaladas no INSS, na Receita Federal e em muitos ministérios se reflete na falta de recursos para os hospitais, as escolas, o saneamento básico, a segurança. Esses e outros atos de saqueio já esgotaram a paciência das pessoas honradas, que trabalham, pagam seus impostos, não recebem adequada contrapartida em serviços do Estado e sustentam, com seus votos, a estabilidade do sistema. Não dá mais para suportar, mesmo sabendo-se que o presidente é um homem honrado, como honrados, até prova em contrário, são os seus ministros. E que têm obtido êxitos administrativos importantes, como o aumento das exportações e a redução da dívida em moeda estrangeira.
Os avisos da impaciência se repetem. Prefeituras já foram ocupadas e incendiadas. A ira dos cidadãos dissolveu a Assembléia Legislativa de Rondônia. Quarta-feira, na Câmara dos Deputados, parlamentares conhecidos pelo seu espírito libertário - como é o caso de Fernando Gabeira - pediam a imediata ordem ética no Estado.
A CPI que provavelmente será instalada na próxima semana poderá promover profunda investigação dos mecanismos de corrupção em nosso país. O medíocre funcionário dos Correios, apanhado literalmente com a mão na massa, e os deputados estaduais de Rondônia, com sua extorsão exposta, podem estar dando a este país a grande oportunidade de uma catarse política. A CPI não terá sentido se limitar seu inquérito a esse achaque de R$ 3 mil. É preciso reabrir todas as investigações que foram frustradas no governo passado.
Ao mesmo tempo, temos que reconstruir o Estado. Só os cidadãos, em sua soberania, poderão salvar o país, retomando, mediante legítima assembléia nacional, os fundamentos éticos da República que lhes pertence.