Título: " PT não é um ninho de anjos''"
Autor: Paulo Celso Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 22/05/2005, País, p. A2

Entrevista: Vladimir Palmeira

O tempo dos grandes discursos ficou para trás. Aos 60 anos, Vladimir Palmeira, que conduziu o movimento estudantil brasileiro em 1968, hoje raramente fala em público. Morando numa rua tranqüila de Botafogo, Vladimir acorda cedo e desde 1999 se dedica a uma enorme tese de doutorado sobre a estratégia de poder de Lênin. O colapso no pacato dia-a-dia veio em março, quando foi colocado como pré-candidato petista ao governo do Rio. Desde então, a dedicação ao estudo e a severíssima pontualidade foram por água abaixo. Deputado federal de 1987 a 1995, Vladimir passa os dias em busca do maior apoio possível para sua candidatura. Talvez seja trauma da intervenção de 1998 quando, depois de ser lançado como candidato ao governo do Estado pelo Diretório Regional do PT, o Diretório Nacional interveio e apoiou Anthony Garotinho: ¿Não cultivo a vingança. Mas, politicamente, foi um erro¿. Até agora, Vladimir é apoiado por cinco dos sete deputados federais e sete dos oito estaduais do PT-RJ . Há dez anos fora da vida pública, Vladimir não se acha conhecido, e acredita que só a campanha na TV poderá mudar esse quadro. Enquanto isso, conquista adesões dos ¿formadores de opinião pública¿. Socialista convicto, Vladimir diz que sua profissão é ser professor e ataca os políticos que ficam mais de dois mandatos no Congresso: ¿ O parlamentar é um inadaptado à condição da vida produtiva.

¿ Como analisa os casos de corrupção que atingiram o governo?

¿Há o problema de corrupção generalizado no aparelho do estado. Então, a aparição de corrupção na fileiras de nosso partido, que vive nessa sociedade, é um alerta, para que a legenda reflita que não está longe da sociedade e não é nenhum ninho de anjos. Muitas vezes, o PT se comportava como se tivesse os puros e os outros partidos os impuros. Aprendemos que há impuros entre nós. Mas há uma cultura sistemática do PT contra a corrupção. Pode aparecer, e se aparecer temos que combater com o mesmo ardor que a combatemos nos outros governos.

¿ E as denúncias de extorsão nos Correios?

¿ Toda denuncia tem de ser apurada. Como governador vou estimular a criação de qualquer CPI, porque sempre ajuda a apurar. Mas não vi o governo se posicionando contra a CPI, até porque esse é um problema da Câmara.

¿ Como avalia o governo Lula?

¿ Se comparado com o governo Fernando Henrique, é nitidamente melhor, com muito mais preocupação social e uma visão de reorganização do aparelho do estado. Ao mesmo tempo, é um governo de coalizão, com elementos que pesam em vez de ajudar. As insuficiências são notadas pelo próprio governo. A luta pela queda da taxa de juros é de 97% da população. É claro que está errada. Não queremos um choque, mas queremos que baixe gradualmente, e isso facilite o crédito às empresas.

¿ Quais os principais erros?

¿ O principal está na política monetária. O controle pelo Banco Central, que tem uma equipe muito ideológica. Um setor em que queria ver o governo aplicando mais dinheiro é na reforma agrária. Mas o governo tem avançado na Justiça, tem uma política externa muito boa, os dois ministros capitalistas ¿ o Furlan e o Roberto Rodrigues ¿ estão desenvolvendo um bom trabalho de mercado exterior.

¿ Como pretende conciliar a candidatura com as críticas ao governo?

¿ Faço elogios ao governo, mas se me perguntam não vou mentir. Há elementos críticos no governo. Critico, assim como ministros e o presidente. Não me coloco no oposição. Apóio o governo, sou candidato do governo, e vou me apresentar à população dessa forma.

¿ Como conseguir um desempenho melhor que o do Bittar em 2002?

¿ Esta eleição será diferente. Os Garotinhos, que serão representados por Sérgio Cabral, estão num declínio político. Ao mesmo tempo, o Cesar Maia, que se reelegeu com respaldo grande, começou a se desgastar. São os dois melhores quadros das respectivas posições e me preparo para travar uma disputa com eles. Cesar Maia é a grande expressão da direita do Rio. Foi prefeito tantas vezes, é político hábil, estudioso das estatísticas e fez um trabalho de consistência nessa matéria. Sérgio Cabral representa uma política populista. De apelos como restaurante popular, piscinão, mas que não resolve os grandes problemas do estado. Nesse quadro, a esquerda tende a ocupar espaço e, se uma candidatura aglutina-la, é um campo forte. Se for esse o quadro, seria uma disputa equilibrada, interessante, e mais fácil para eu ganhar. Mas o Crivella pode ser candidato. Se disputar, ele não ganha, mas atrapalha, muda as características da disputa.

¿ Quais apoios você buscará?

¿ Procurei o PDT e tive um bom contato. Mas eu e o partido ficamos na dependência de políticas de aliança nacional. Vou procurar os partidos do arco de alianças como PP, PL, PTB e PCdoB. Procurarei também um campo mais à esquerda, como o PSTU e o P-SOL, embora haja dificuldades nesta composição porque eles fazem oposição sistemática ao governo federal.

¿ Quais os maiores problemas do Rio?

¿ Toda pesquisa mostra que são a violência e a saúde. Não vou fazer demagogia e dizer que resolverei todos os problemas da saúde e do povo do Rio. Você tem 4 anos para governar, então vai colocar a saúde em condições decentes. Isso depende de vontade política. Há verdadeiras quadrilhas operando. O grande problema não é de falta de dinheiro, mas de aplicação da verba. Em geral, os orçamentos dados à saúde e à educação são grandes.

E a segurança?

¿ A questão da segurança é mais difícil. Em nenhum estado a violência é tão ameaçadora. O problema não é apenas o tráfico de drogas, que embora seja uma questão sobretudo do governo federal, evidentemente tem repercussões estaduais. O problema é que no Rio se estabeleceram diversos contrapoderes. O estado perdeu a autoridade. Então, temos de reprimir, mas não usando essa repressão aparatosa. Hoje, os soldados sobem o morro, passam dois dias, prendem uma trouxinha de maconha e saem. Só teremos resultado se ao mesmo tempo em que agirmos duramente, mantivermos a possibilidade de ofertar serviços públicos pelos quais a comunidade está carente. A norma deve ser investigar. E entrar na favela como num bairro da Zona Sul.

¿ De que forma sua ideologia socialista influenciaria seu governo?

¿ A primeira coisa é trazer a massa para a política. Temos de criar uma esquerda social e ao mesmo tempo politizar a sociedade. Isso não quer dizer fazê-la pensar como você quer, mas fazer com que participe mais. Quero trazer uma participação maior do funcionalismo de forma que as instituições estaduais tenham certa autonomia. O que isso tem com o socialismo? Um grão, pois você está estimulando a autogestão, estimulando as pessoas a decidirem seus destinos.

¿ Quais são as diferenças ideológicas de 1968 para hoje?

¿ O socialismo teve a maior crise de sua história com o fim da União Soviética e entrou nesse século numa completa derrota. Se trata de criar um novo socialismo. As pessoas hoje são socialistas por inércia. Quem é de esquerda no Brasil tem uma posição nacionalista e estatizante, repetindo um padrão que se acentuou nos anos 20. Há uma profunda crise. Sou de esquerda porque sou a favor dos oprimidos. Em 1968 era diferente. Estávamos na crista da onda da história. Mas, evidente que as diferenças são mais políticas do que ideológicas, combatíamos uma ditadura militar, na qual não existiam liberdade, organização partidária, direito de greve. Hoje temos uma democracia constitucional no Brasil, que exige formas de luta totalmente diferentes.

¿ Como você vê hoje a atuação do jovem na política?

¿ Cada época é uma época. Vejo muita gente criticando o jovem por alienação, isso é um equívoco. Os jovens têm uma participação na vida social de acordo com a conjuntura em que estamos. É absurdo exigir do jovem hoje que tenha uma posição militante como a do de 1964. A juventude brasileira, quando é requisitada, participa. A política hoje é muito cinzenta para a juventude, não representa um desafio.

¿ Como colocar a militância nas ruas?

¿ A militância está se dispondo a fazer a campanha. Posso chamar, pedir, mas ela tem vida própria. Você desperta o entusiasmo em pessoas que estavam descrentes da política. Sou parado na rua por gente que diz: `não votava no PT, vou voltar a votar agora¿. Cria-se um certo ânimo com as peculiaridades dessa candidatura. Espero uma campanha de rua forte. Só ganho a campanha se tiver a militância ao meu lado.

¿ Por que você abandonou a vida parlamentar em 1994?

¿ Quando fui candidato avisei aos companheiros que só disputaria dois mandatos. Sou contra políticos profissionais. Um partido de esquerda como o PT devia ter preocupação de politizar, e por isso, deveria abrir a experiência do Parlamento ao maior número possível de militantes. O deputado que passa 8 anos em Brasília perde sua capacitação profissional e tem dificuldade de reingressar no mercado de trabalho. É um inadaptado às condições da vida produtiva. Então, começa a fazer o máximo de concessões políticas para se reeleger. Começa a ter o mandato mais voltado para a reeleição do que para o Legislativo.