Título: Revelações do serviço secreto
Autor: Nelson Carlos de Souza
Fonte: Jornal do Brasil, 22/05/2005, País, p. A7

Livro do jornalista Lucas Figueiredo mostra os bastidores dos 78 anos do órgão que driblou os presidentes

Um dos mais antigos órgãos repressores do país, o serviço secreto, que teve seu auge na ditadura militar, não morreu nem mudou suas diretrizes. Pelo contrário, completou 78 anos com força suficiente para nos últimos anos deixar governos democráticos, eleitos pelo voto popular, de calça curta: caso dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. José Sarney e Itamar Franco também foram vítimas do serviço durante a redemocratização.

Uma prova de que os serviços secretos sempre tomaram suas decisões à revelia dos presidentes aconteceu no governo Lula. Ao nomear para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) o general Jorge Armando Félix, Lula acabou enganado. No dia 8 de julho, o militar chefe geral da Abin nomeou para postos-chaves da segurança do Palácio do Planalto aquela que foi uma das sombras do presidente, a cabo Polícia Militar do Distrito Federal, Lucimar Paiva dos Santos.

A PM investigou Lula nos tempos de líder metalúrgico no ABC paulista e chegou a se infiltrar na Central Única dos Trabalhadores (CUT). Passando-se por jornalista, participou do 8º Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores, em Vitória, no Espirito Santo. O general Jorge Armando Félix simplesmente omitiu esta informação do presidente, que só ficou sabendo meses depois.

O livro Ministério do Silêncio(Editora Record), uma pesquisa de mais de sete anos do jornalista Lucas Figueiredo retrata como os presidentes sempre foram driblados pelos seus serviços secretos e revela com detalhes os passos e armadilhas tramadas pelo órgão desde a sua criação, em 1927, pelo então presidente Washington Luís. O livro mostra que o alvo do órgão sempre foi o povo brasileiro, em especial os movimentos classista.

Segundo Lucas, no primeiro ano de governo, Lula foi enganado outra vez. A Abin fez por conta própria um acordo com serviços secretos da América Latina para vigiar os movimentos que tratavam da ''questão da pobreza''. Ou seja, enquanto o presidente se apresentava, inclusive no exterior, como líder do combate à pobreza, seu serviço secreto espionava aqueles que trabalhavam com a questão.

No relatório confidencial do I Encontro Técnico dos Serviços de Inteligência dos Países da América do Sul, reproduzido no livro, mostra que um dos termos de acordo foi um intercâmbio de dados sobre a seguinte área de trabalho:

''Movimentos, ações ou indícios, de qualquer origem, que abordem a questão da pobreza (...) cuja utilização possa representar ameaças, preocupações ou desafios a interesses estratégicos dos países da América do Sul e possuam potencial para evoluir para adoação de medidas concretas.''

Para o escritor, do jeito que está não faz sentido para o Brasil ter um serviço secreto:

- Um serviço secreto só é bom quando lida com o inimigo externo. O serviço secreto brasileiro tem de se preocupar com os estrangeiros que querem sabotar o Mercosul, praticar biopirataria na Amazônia, usar o território brasileiro para apoio de terroristas, roubar segredos etc. Brasileiro suspeito de praticar crime é problema da polícia, do Ministério Público e da Justiça, e não do serviço secreto - explica Lucas.

Por ironia, o responsável por um dos golpes mais duros no serviço secreto foi Fernando Collor de Mello, o presidente eleito pelo voto popular em 1989, e afastado três anos depois num impeachment.

No dia de sua posse - 15 de março de 1990 -, Collor extinguiu o Serviço Nacional de Inteligência (SNI) através de uma medida provisória. Mas, o que parecia um ato democrático e de justiça, nada mais foi do que uma vingança pessoal contra seu desafeto, o general Ivan de Souza Mendes, então presidente do órgão e que não o recebeu em 1988. O militar também foi acusado de ter elaborado um dossiê sobre ele e franqueado à imprensa tentando prejudicá-lo. A vingança durou apenas oito meses. Em novembro, Collor reeditou o mesmo serviço, com o nome, Departamento de Inteligência (DI), mais tarde Centro Federal de Inteligência (CFI)

O presidente Fernando Henrique Cardoso, que sentiu na pele as perseguições do serviço durante os anos da ditadura, foi o que mais fez concessões aos diretores do órgão. Além de não desmilitarizar a Agência Brasileira de Inteligância, concedeu benefícios, mantendo inclusive antigos torturadores em seus cargos. O ato mais grave aconteceu na última semana de governo. FH foi condescendente com os antigos inimigos e prorrogou, através de um decreto, todos os prazos de acessos aos arquivos dos serviços secretos pelos cidadãos e entidades civis. Até então, os prazos de sigilo variavam entre cinco anos (documentos reservados), 10 anos (confidenciais), 20 anos (secretos) e 30 anos (ultra-secretos). Com o ex-presidente, os prazos dobraram: reservados passaram para 10 anos, confidenciais para 20 anos, secretos para 40 anos e os ultra-secretos para 60 anos.