Título: A democracia, a ética e a justiça
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 22/05/2005, Outras Opiniões, p. A15
Dentre os fatores fundamentais que contribuíram para o sucesso crescente do PT nos últimos 25 anos e para a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, três se destacam: o empenho do PT pela democracia, pela ética na política e na administração pública, e pela realização da justiça.
Quando o Partido dos Trabalhadores foi fundado, em 10 de fevereiro de 1980, reuniu pessoas que vieram dos mais diversos segmentos políticos: da resistência à ditadura ao movimento sindical urbano e rural, das lutas contra a censura e pela anistia aos perseguidos políticos à reforma agrária, dos movimentos feministas à lutas por moradias e contra a carestia. Vinham de partidos e organizações das mais diversas denominações. Eram operários, intelectuais, professores, arquitetos, médicos, economistas e profissionais de todas as áreas. Houve entre nós o consenso de que todas as transformações na sociedade brasileira deveriam ser feitas por meios democráticos. O PT imediatamente passou a defender as eleições diretas para todos os níveis. Defendeu o sistema de eleições em dois turnos e foi ainda o responsável pelo primeiro grande comício pelas eleições Diretas Já em novembro de 1983, em frente ao Estádio Municipal do Pacaembu, em São Paulo, ao qual se seguiram tantos outros que reuniram milhões de pessoas. Elas, as Diretas, vieram em 89.
A defesa e o aperfeiçoamento da democracia pelo PT ainda tomaram outras formas, com a prática da transparência dos que assumiam responsabilidades executivas e o orçamento participativo nas inúmeras administrações municipais.
Quando deputado estadual, eleito pelo MDB, em 1978, deparei-me com inúmeros episódios na Assembléia Legislativa de São Paulo que contrariavam os parâmetros do bom senso. Foi então que, certo dia, fui fazer uma visita ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, para relatar os acontecimentos ao presidente Lula e a seus companheiros. Perguntei-lhes se achavam que eu deveria revelar aqueles fatos, que me pareciam graves, da tribuna da Assembléia, já que meus correligionários diziam que, se fizesse isso, eu quebraria a unidade do partido. Lula e os companheiros do ABC, que haviam votado em mim, ao contrário, disseram-me que fosse em frente, que era que era isso que esperavam de mim, e que só assim as coisas funcionavam. Foi o que fiz. Assim, quando o PT nasceu convidaram-me para participar de sua fundação por inúmeras afinidades, inclusive aquela.
No primeiro semestre de 1992, a revista Veja publicou uma entrevista de Pedro Collor de Mello, irmão do presidente Fernando, sobre os atos de Paulo César Farias, o ex-tesoureiro de campanha que continuava a ter enorme influência no governo, praticando ações que caracterizavam o enriquecimento ilícito. Ao ler a matéria telefonei para o deputado federal José Dirceu e marquei uma conversa entre nós dois e Pedro Collor de Mello, no Hotel Maksoud, em São Paulo. Após ouvirmos seu relato por cinco horas, fomos à minha casa e redigimos juntos o requerimento de CPI sobre aqueles fatos. Daquela CPI surgiu o segundo grande movimento de opinião pública havido desde 1980, a campanha Por Ética na Política, que resultou no afastamento do presidente Collor de Mello. Como nas Diretas Já, Lula foi um dos principais oradores em todos os grandes comícios da campanha.
Finalmente, foi a capacidade de bem expor de maneira convincente que seria capaz de realizar os grandes anseios de justiça, há tanto tempo reclamados pelo povo, que o presidente Lula conseguiu granjear 53 milhões de votos em 2002 e vencer tão bem as eleições.
Nos últimos dias surgiu a revelação pela revista Veja de fatos graves que ocorreram na administração da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que causaram indignação no presidente Lula e em todo o povo brasileiro. Os envolvidos diretamente já foram afastados e o governo determinou a mais rigorosa apuração pela Polícia Federal, pela Controladoria Geral da União e o Ministério Público. Acontece que nas gravações mostradas na reportagem há referências a pessoas que estão inclusive no Congresso Nacional. Dada a complexidade dos episódios, era natural que fosse sugerida a formação de uma CPI.
Desde que tomei conhecimento dos fatos, considerando as tantas ocasiões em que ouvi do presidente Lula que ''para nós do PT, a questão ética é fundamental'', resolvi transmitir aos meus colegas no Senado e da direção nacional do PT a minha avaliação de que o melhor que temos a fazer para defender o presidente Lula e o PT é assinar a CPI. Resolvi, junto com eles, atender o apelo dos líderes do governo, Aloísio Mercadante, e do PT, Delcídio Amaral, de aguardar o diálogo com a Direção Nacional, neste final de semana, e com a bancada na Câmara dos Deputados. Diferente de muitos que na direção consideram que a CPI servirá unicamente de palanque para a oposição e para desestabilizar o governo, tenho a convicção de que a CPI, com a nossa participação, pode ser conduzida com a devida imparcialidade. Quero, assim, agir em harmonia com o partido, que tem como um de seus pilares respeitar democraticamente a opinião de todos os seus integrantes.