Título: Um passo para frente, dois para trás
Autor: Márcio Lopes de Freitas
Fonte: Jornal do Brasil, 19/10/2004, Economia & Serviços, p. A-18

Na semana passada, a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) divulgou seu estudo anual sobre as condições das estradas brasileiras. O resultado é desanimador. Os dados revelam que 74,7% dos 74.681 quilômetros pesquisados estão deficientes, ruins ou péssimos. O efeito disso em toda a economia já é conhecido: fretes mais caros, dificuldade no escoamento da safra e perda de divisas. É grande parte do chamado custo Brasil. O estudo da CNT chega no momento em que comemoramos os números positivos do agribusiness brasileiro. A produção de grãos da safra 2003/2004 girou em torno de 120 milhões de toneladas. Em junho, o agronegócio foi responsável por 47,2% das exportações brasileiras. Apenas no primeiro semestre deste ano as exportações do setor já somaram R$ 55,5 bilhões. Até o fim do ano, a estimativa é que o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio cresça na ordem de 2,8%. Esses números são ainda modestos diante do potencial do campo nos próximos anos. As fronteiras agrícolas se expandem cada vez mais, a agricultura se moderniza e o Brasil das metrópoles volta seus olhos para a pujança do interior.

Porém, nada disso vai adiantar enquanto não forem resolvidos os grandes gargalos para o escoamento da produção. O que sobra de otimismo em relação à produtividade, falta em relação à logística de transporte para escoarmos a nossa safra. Estradas ruins, ferrovias sucateadas, poucos portos e hidrovias subutilizadas.

Não basta tapar os buracos das estradas para tentar resolver o problema. Se quisermos realmente tornar o Brasil a maior nação agrícola do mundo, temos de desenvolver um modelo de logística de transporte de longo prazo, para eliminar as grandes dificuldades enfrentadas pelos produtores.

A falta de logística adequada aborta qualquer pretensão de desenvolvimento pleno de um setor que responde por quase metade das exportações de todo o país. É como dar um passo para a frente e dois para trás. Há produção, mas não temos como escoá-la de forma eficiente.

Não basta, porém, recuperar as rodovias. Aprendemos no banco da escola que o Brasil tem um enorme potencial hidroviário. E quantas hidrovias possuímos? Aprendemos também que a ferrovia é o meio de transporte de cargas mais eficiente para um país com as nossas dimensões. E qual a situação das (poucas) ferrovias que possuímos?

A malha ferroviária urge por investimentos. Até o mês passado, o Ministério dos Transportes não havia aplicado um centavo dos R$ 4,2 bilhões previstos para o Plano Nacional de Revitalização das Ferrovias. A justificativa é que a malha rodoviária, responsável por mais da metade do transporte no país, necessitava mais dos recursos.

A precária situação do transporte no Brasil se agrega aos chamados ¿custos escondidos¿ da produção agrícola ¿ que incluem fatores como o alto preço dos insumos, a alta taxa de juros e a carga tributária. É possível imaginar o quanto esse custo seria reduzido se houvesse uma malha ferroviária ligando o norte e o centro-oeste brasileiro aos portos de exportação? Se existisse um canal de interligação eficiente das regiões produtoras com o Nordeste, facilitando o escoamento da produção ao mercado exterior? Se as rodovias não estivessem em estado de penúria?

Por isso, é preciso reverter esse quadro caótico o mais rápido possível. Quando uma estrada é recuperada ou uma ferrovia é revitalizada, não estamos falando em despesas. Estamos falando de investimento. Se não houver essa compreensão, vamos continuar dando um passo para frente e dois para trás.