Título: De mudança para o mercado financeiro
Autor: Charles Penty
Fonte: Jornal do Brasil, 22/05/2005, Economia & Negócios, p. A19
Elevação da taxa de juros leva empresários a trocar investimentos na produção por aplicações em títulos atrelados à Selic
A alta da taxa de juros brasileira está estimulando as empresas a comprar bônus de maior rentabilidade em vez de investir em novos equipamentos, ameaçando desacelerar o crescimento da economia mais do que desejariam a autoridade monetária.
O banco elevou, na última semana, a taxa básica de juros pelo nono mês consecutivo, para 19,75% ao ano, na tentativa de controlar a inflação. As taxas de juros reais (descontada a inflação) no Brasil alcançam atualmente cerca de 11%, seu patamar mais alto desde 2002.
- Qualquer empresário que enfrenta esse nível de juros não pensa duas, pensa mil vezes para comprar uma máquina - disse Josué Gomes da Silva, principal executivo da Companhia de Tecidos Norte de Minas (Coteminas), a segunda maior empresa têxtil, com sede em Montes Claros, Minas Gerais.
A guinada dos investimentos por parte dos dirigentes da indústria de transformação brasileira pode aprofundar a desaceleração da maior economia da América do Sul, disse Ilan Goldfajn, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central do país e um dos sócios do fundo de hedge Gávea Investimentos Ltda.
Os investimentos em máquinas, construção e outros projetos destinados a impulsionar a produção industrial caíram 2,2% no primeiro trimestre, em relação ao quarto trimestre do ano passado, segundo o Instituto de Economia Aplicada do governo.
- Foi um mau resultado, inferior às nossas expectativas - disse Mérida Herasme Medina, economista do instituto no Rio de Janeiro. - Do ponto de vista do industrial, pode ser que faz mais sentido investir recursos no mercado do que na produção, até que o quadro se defina melhor.
As Letras do Tesouro de cinco meses tiveram um rendimento de 19,9% no leilão da semana passada, comparativamente ao retorno de 3,16% gerado pelos títulos de seis meses do Tesouro dos Estados Unidos.
A taxa básica do Brasil está atualmente mais de 11 pontos percentuais acima do índice de inflação (IPCA), de 8,1% nos 12 meses encerrados em abril, o que situa as taxas de juros reais como as mais altas do mundo. É o mais alto patamar desde dezembro de 2002, um mês antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumir o cargo. Apenas a Turquia tem taxas de juros reais mais altas.
O índice de crescimento da economia brasileira vai desacelerar para 3,5% este ano, saindo dos 5,2% de 2004, segundo a previsão de analistas.
A economia começa a dar sinais de enfraquecimento sob o peso do crescente custo da tomada de empréstimos: a produção industrial cresceu 1,7% em março, seu ritmo mais lento desde novembro de 2003.
O próprio ministro da Fazenda, Antonio Palocci, admitiu, na última semana, que a alta das taxas de juros pode leve as empresas a ''desistirem de investir'' no longo prazo. As empresas que representam cerca de 52% da economia brasileira pretendem intensificar as compras de máquinas e equipamentos, segundo pesquisa realizada em dezembro pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.
- O instinto animal do industrial é produzir - comenta Paulo Francini, diretor de pesquisa e estudos econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). - Não acredito que ele troque a oportunidade de atender à demanda do mercado porque concluiu que obteria um retorno maior nos mercados financeiros. Isso vai contra o instinto da indústria.