Título: A transformação de um partido
Autor: Paula Barcellos, Paulo Celso Pereira e Renata Mour
Fonte: Jornal do Brasil, 23/05/2005, País, p. A3

Convertido em partido da ordem, o PT 2005 está muito distante daquele dos anos 80, quando pregava uma atividade política autônoma. Agora, é um partido tipicamente eleitoral, que ampliou suas alianças, a qualquer custo, para conseguir se eleger. Tal opinião é partilhada entre petistas e cientistas políticos.

De uma breve radiografia, o PT sairia assim: desvertebrado e preso aos aliados. Ao menos é desta maneira que sociólogos e cientistas políticos estão identificando a sigla. Sobretudo depois do encontro do Diretório Nacional no fim de semana em São Paulo.

- O PT tornou-se uma espécie de PMDB dos anos 2000. Partido que se alia a qualquer bloco ou setor que possa trazer benefício. Acabou num processo de fagocitose: foi engolfado pelos aliados. O maior exemplo é o caso Roberto Jefferson que atola o PT - dispara o sociólogo Ricardo Antunes.

Nessa perspectiva, não surpreende a condenação do PT à CPI dos Correios. Afinal, abafar a corrupção seria a única medida para imobilizar um movimento de investigação que vai bater nos partidos de centro-direita aliados ao governo.

A deputada federal, Maria José Conceição (DF), a Maninha, por exemplo, não concorda com a resolução do Campo Majoritário do partido que pede para que seus deputados e senadores ''não endossem a convocação da CPI dos Correios''.

- Assinei a favor e não volto atrás. Sou a favor que a comissão apure as denúncias contra um congressista, não contra o governo. Não acho que o deputado Roberto Jefferson seja mais companheiro que Virgílio, que trabalhou tanto para o crescimento e fortalecimento do PT - disse.

Mas a crítica da credibilidade e da ética do partido não é novidade. O cientista político Fábio Wanderley Reis lembra que a singularidade ética, uma das principais marcas da sigla, teve como divisor de águas o caso Waldomiro Diniz. De lá para cá, segundo o professor, o PT teria caído na ofensiva. E hoje encontra-se perplexo, sem saber como agir. Ou nas palavras de Ricardo Antunes: ''o PT no governo é um biruta, não sabe para onde vai''.

O presidente nacional do partido, José Genoino, discorda dessa visão. Segundo ele, o partido apenas virou governo.

- O PT é governo. Quem está no governo investiga e apura, não precisa de CPI. Já para a oposição a CPI é o único instrumento. Pedíamos CPIs no governo Fernando Henrique, pois não tinhamos confiança nas apurações do governo - diz.

O cientista político Leôncio Martins Rodrigues lembra que, no caso do PT, a distância entre teoria e prática é ainda maior, porque, antes de chegar ao poder, era um partido anti-governo e anti-sistema capitalista. E o presidente do partido não parece discordar da opinião de Martins Rodrigues.

O deputado federal Chico Alencar (PT-RJ), que pertence à chapa ''Para o PT voltar a ser o PT'', acredita que é a hora de o partido dar um ''choque ético'':

- Entendo que o exercício do poder pede mais pragmatismo, mas não pode significar esquecer o programa. Pede flexibilidade, mas isso não pode significar transigência ética. Está na hora de darmos um choque ético - defendeu, lembrando a contradição de punir Virgílio e abafar a CPI.

- É uma ironia trágica que no mesmo dia que decidimos não apoiar a CPI para apurar a corrupção, punimos um dos companheiros cujo comportamento ético ninguém duvida.

Alencar acredita que o governo tem desapontado:

- Não estamos sabendo realizar no governo todas as expectativas que criamos quando estávamos na oposição.

Milton Temer, que se afastou do partido em 2003, após a expulsão da senadora Heloísa Helena, garante que a mudança no partido não é recente. Ele lembra que em convenções da década de 1990, o Campo Majoritário, que comanda o partido, já começava a ser mais transigente, se distanciando dos ideais de fundação da sigla.

- No aparelho do estado, isso se radicalizou. Que o governo não fosse de esquerda é compreensível, mas não é compreensível que o PT tenha assumido a posição mais direitista do campo de alianças do governo.

Para Temer, o governo Lula é hoje mais ligado aos aliados de direita do que com a esquerda do partido.

- O verdadeiro parceiro do Lula hoje é o Roberto Jefferson. O Lula que lutou pela expulsão da Heloísa Helena é o mesmo que inocentou o Roberto Jefferson - atacou.