Título: Passado e presente
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 23/05/2005, Opinião, p. A10
O espantoso descompasso entre o passado e o presente do Partido dos Trabalhadores - cada vez mais revelador conforme se sucedem os expedientes de trabalho no Palácio do Planalto - ganhou especial evidência nas últimas semanas, balizadas pelo episódio de instalação da CPI dos Correios. Até agora, viu-se, as ruidosas tentativas da cúpula do PT e do governo Lula de evitarem a investigação no Congresso revelaram-se um fracasso. A rápida e volumosa adesão à comissão parlamentar de inquérito ignorou o empenho governista de abafá-la. É um equívoco, porém, imaginar que a novidade está na resistência à criação da CPI. Nenhum governo, afinal, tem predileção por esse tipo de investigação. Costuma gerar profundo mal-estar no Parlamento e, conforme seu desenlace, oferece feições suicidas ao andamento da gestão política, econômica e administrativa. O que parece particular à ''era petista'' é o espectro de contradições que ronda o partido. Pesa sobre o PT a memória das bandeiras éticas defendidas nos tempos de oposição. Até chegar ao poder, não eram raros os petistas a deflagrar a fantasiosa idéia de que a legenda estava do lado da pureza. Os outros partidos representavam a corrupção; ou a praticavam ou dela se beneficiavam.
Embora, neste caso, o PT não se encontre diretamente enlameado por condutas espúrias praticadas por seus integrantes, chama a atenção o vasto terreno de ações fisiológicas, pontuadas por alianças pouco edificantes e de difícil justificação. Some-se ainda a errática sucessão de práticas promovidas pela cúpula do partido - capaz de defender ardorosamente ministros e ''parceiros'' sob suspeita e punir implacavelmente petistas eventualmente dissidentes. Tais dilemas, a história recente do PT demonstra, têm aberto fraturas indissipáveis.
A reunião do Diretório Nacional do partido, realizada no fim de semana, confirmou o autismo dos morubixabas do PT. Enquanto uma crise moral instala-se em Brasília, enquanto novas denúncias adornam o já adocicado confeite no qual se deleita o presidente do PTB, Roberto Jefferson, enquanto os ânimos estilhaçam a limpidez da gestão petista, o partido dedica-se a discutir se expulsa ou suspende o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) por causa da sua candidatura à presidência da Câmara. Ignoram-se as circunstâncias, menosprezam-se as evidências, subestimam-se as conseqüências.
Preocupa, por exemplo, a declaração do presidente Lula sobre a CPI dos Correios, estampada na manchete do JB de sábado: ''Olhem para a minha cara e vejam se estou preocupado''. Antes fosse uma tentativa de aplacar aflições generalizadas entre aliados governistas ou mostrar-se sereno diante da iminência de uma investigação de conseqüências imprevisíveis. A prudência sugere, contudo, que o momento não é propício a arroubos irônicos e inconsistentes.
O melhor a fazer é trabalhar enfaticamente para recompor a desarticulada base de apoio ao governo. E agir ainda mais vigorosamente contra os inquietantes exemplos de corrupção que se avolumam sobre a gestão pública e arruínam a já esmaecida imagem dos políticos perante a sociedade. Representantes deslegitimados pela impertinência ética ameaçam as mais saudáveis democracias.
Ao PT, como principal partido da coalizão, convém reagir à letargia que tem imperado neste episódio - repetindo o freio do ano passado à CPI dos Bingos. Não há como transigir ao avanço da traquinagem e aos acordos de circunstância, que se transformam em regra na genética do poder. Sobre isso não há dilema, tampouco passado ou presente. A regra é indissociada do tempo. Vale para petistas de ontem e de hoje.