Título: O congresso e o bom conselho
Autor: Dalmo Dallari
Fonte: Jornal do Brasil, 21/05/2005, Outras Opiniões, p. A11
O desempenho do Parlamento brasileiro nos últimos dias, especialmente quanto à matéria envolvendo importantíssimo tema do Conselho Nacional de Justiça, tem sido lamentável, deixando evidente que para a maioria dos integrantes da Câmara dos Deputados e do Senado o que menos interessa é o interesse público. O primeiro capítulo das decisões sobre a indicação do nome de um cidadão para integrar aquele Conselho ocorreu na Câmara dos Deputados. O primeiro nome cogitado e submetido à decisão dos deputados foi o do advogado Sérgio Renault. Advogado militante de reputação ilibada, reconhecido estudioso das questões relativas ao Poder Judiciário, o dr. Renault foi escolhido pelo Ministério da Justiça para coordenar a elaboração do projeto da reforma do Judiciário, tendo sido nomeado Secretário Especial da Reforma do Judiciário.
Recebido com reservas por setores da magistratura, que viam nele um membro do Poder Executivo articulando a reforma do Judiciário, em pouco tempo o desempenho do dr. Sérgio Renault foi reconhecido como ético e profissional, sem qualquer conotação partidária e nada tendo a ver com eventual intenção do Executivo de interferir no Judiciário. Promovendo debates e participando deles com serenidade e transparência, recebendo e divulgando todas as propostas oriundas da magistratura, logo ficou evidente que seu trabalho era de articulador de propostas, visando dar objetividade às discussões e acelerar o encaminhamento da preparação de um projeto para ser submetido ao Congresso. Nunca se disse que ele estivesse patrocinando propostas do Poder Executivo ou de qualquer instituição ou setor da sociedade brasileira. Trabalhando incansavelmente durante cerca de dois anos, mantendo contato estreito com dirigentes dos Tribunais, o dr. Sérgio Renault tornou-se um dos brasileiros com mais conhecimento das necessidades e dos problemas do Poder Judiciário.
Apesar de suas elevadas credenciais, seu nome foi preterido pela Câmara dos Deputados. Em seu lugar foi escolhido o Secretário da Justiça do Estado de São Paulo, dr. Alexandre de Moraes, ex-membro do Ministério Público Estadual, com menor envolvimento no estudo dos assuntos do Poder Judiciário e, portanto, menos preparado para a tarefa específica. Sem nenhum demérito para o dr. Moraes, o fato é que a Câmara dos Deputados desprezou os conhecimentos específicos e o preparo superior, neste caso, do dr. Sérgio Renault, tendo indicado o dr. Alexandre Moraes com base em sua vinculação partidária, pois ele é militante de um partido que faz oposição ao presidente da República. Partidarizando a questão, a maioria dos deputados votantes não teve a grandeza de se colocar acima das disputas mesquinhas e decidiu como oposição, não havendo a mínima dúvida de que o interesse público não teve peso nessa escolha.
Feita a indicação do nome do dr. Alexandre de Moraes, era dada como certa sua aprovação pelo Senado. Entretanto, seu nome foi rejeitado pelos senadores, o que provocou a reação indignada de vários de seus companheiros de partido, que qualificaram de mesquinha a rejeição, por ter sido baseada em questões político-partidárias e não no interesse público. O fato seguinte, que também pode ser enquadrado no campo das mesquinharias, foi o boicote das votações para ratificação de nomes já aprovados para o Conselho Nacional de Justiça. Os partidos de oposição no Senado pura e simplesmente decidiram negar o número para as votações, visando com isso agredir o Poder Executivo e sem levar em conta de que estavam agredindo o interesse público.
Abriu-se agora uma possibilidade de minimizar o fiasco e melhorar a imagem do Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados deverá fazer a indicação do nome de um cidadão para integrar o conselho, uma vez que o nome indicado por ela foi rejeitado pelo Senado. Dando prioridade ao interesse público, a Câmara poderá indicar agora o dr. Sérgio Renault, pois não tendo chegado a ser indicado ele não foi rejeitado. Depois disso, caberá ao Senado aprovar o seu nome, se os senadores derem prioridade ao interesse público. A implantação do Conselho Nacional de Justiça é um passo importante para o aperfeiçoamento do Judiciário e por isso não deve ser poluída pelo jogo eleitoral.