Título: Os perigos da guerra fiscal
Autor: Adelmir Santana
Fonte: Jornal do Brasil, 19/10/2004, Brasília, p. D-2

A guerra fiscal declarada pelo governo de São Paulo contra os estados que concedem incentivos fiscais às suas empresas, caso do Distrito Federal, sugere uma reflexão mais profunda sobre o sistema de impostos. As sucessivas tentativas de se aprovar, no Congresso Nacional, uma reforma tributária digna deste nome, esbarraram nas resistências dos governadores. A reforma tinha como principal objetivo dar alguma racionalidade ao modelo em vigor, simplificando o processo de cobrança e recolhimento de tributos, sem comprometer a receita da União, dos estados e dos municípios. Era também objetivo do projeto, pelo menos em teoria, ampliar o universo dos contribuintes pelo incentivo à formalidade do mercado. Se mais pessoas físicas e jurídicas contribuem para o sistema, o ônus da contribuição de cada empresa ou cidadão poderá até ser reduzido. É justo e racional.

Agora, ao reagir contra os incentivos fiscais concedidos por estados interessados em atrair novos investimentos, o governo de São Paulo coloca o tema novamente em evidência. Claro que São Paulo, como principal estado produtor, está preocupado em defender sua economia da concorrência com os estados emergentes, também desejosos de se tornarem produtores de mercadorias e serviços. Segundo dados divulgados recentemente pelo economista Marcos Cintra, da Fundação Getúlio Vargas, a fuga de empresas paulistas tem reduzido sistematicamente a receita do estado com o ICMS. Em oito anos, a participação desta receita na arrecadação total do ICMS caiu de 39,4% para 33,5%. No mesmo período, a Região Nordeste aumentou sua fatia de 13,5% para 14,4%, e o Centro-Oeste, de 6,9% para 8,8%.

São Paulo tenta defender seus interesses, da mesma forma que o DF e Goiás têm o direito de incentivar, por meio de concessões fiscais, o processo de atração e implantação de novas empresas. Assim como São Paulo, outros estados e regiões brasileiras precisam alcançar também um alto índice de desenvolvimento econômico e social. Preocupa, no entanto, o atual estágio de beligerância que prevalece na relação entre os entes federados. A guerra fiscal que estamos assistindo não parece uma prática saudável, porque, em médio prazo, acaba por comprometer os investimentos sociais e infra-estrutura. Os ganhos, quando existem, duram por um curto período. Os estado de maior poder econômico reagem e anulam os benefícios momentâneos obtidos pelos que concedem incentivos.

A solução definitiva para o problema está na aprovação, pelo Congresso Nacional, de uma legislação única para o ICMS em todo o País, prevalecendo os incentivos já concedidos por período pré-fixado. A proposta, discutida no ano passado, dividiu as opiniões dos governadores. Os estados consumidores queriam a cobrança da alíquota no destino, ou seja, no local de consumo, enquanto os estados produtores - caso de São Paulo, principalmente - preferiam a cobrança na origem. Resultou daí uma disputa que inviabilizou a aprovação da mudança.

Muito se discutiu no Congresso Nacional desde 1999 sobre a necessidade de se organizar o sistema tributário brasileiro. Os avanços neste campo, entretanto, não apareceram. Para que o País entre, definitivamente, em trajetória de crescimento é necessário simplificar o sistema tributário, o que resultaria na redução do custo de sua administração pelas empresas e, por conseqüência, implicaria melhoria da competitividade.

Apesar de divergências entre a iniciativa privada e os estados a respeito do texto agora levado à votação no Congresso Nacional, há um consenso sobre a unificação da legislação do ICMS em todo o País, o que acreditamos ser um início para promover a justiça social e incentivar a produtividade e a competitividade.

Outra questão que precisa ser debatida é o papel do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que vem perdendo força como instância responsável por harmonizar as disputas entre os estados. Se o Confaz não puder mais cumprir esta função, é necessário encontrar outra maneira, como a criação de um fórum para tratar dos conflitos regionais, a fim solucioná-los.

O problema é que todos querem arrecadar mais, e nenhum estado parece disposto a abrir mão da receita tributária já conquistada. Só um novo pacto federativo, selado pelos governadores com o aval do presidente da República, poderia resolver este impasse.