Título: Mais um round contra o câncer
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 21/05/2005, Vida / Bate-papo, p. 5
Após mais de dez anos de pesquisas, o imunologista José Alexandre Barbuto, da USP, desenvolveu uma vacina que controla tumores e aumenta a expectativa de vida de pacientes em estágios avançados de melanoma (um tipo de câncer de pele) e de câncer de rim. Testada e aprovada pela Anvisa apenas para esses dois casos, a vacina é individual, elaborada a partir de uma combinação de células do próprio paciente com as de uma pessoa sadia. Agora, o novo desafio de Barbuto é fazer com que o medicamento sirva para os mais de 400 tipos de câncer existentes. Esperançoso, o médico revela: ''vacinas semelhantes estão em estudo contra os mais variados tipos de câncer tanto por nós, quanto por diversos centros de pesquisa no mundo''.
Como funciona a vacina?
Ela faz o sistema imune do paciente reconhecer as células do câncer. Uma célula sofre diversas alterações genéticas até se tornar tumoral. Várias destas alterações poderiam, potencialmente, ser reconhecidas pelo sistema imune. Se isso acontecesse, o tumor não se desenvolveria, já que o sistema imunológico tem mecanismos capazes de eliminar o que reconhece como estranho. Assim, para que o tumor se desenvolva, ele e o sistema imune entram em um falso equilíbrio, que permite a permanência e proliferação das células alteradas. A vacina rompe esse falso equilibrio e desencadeia a resposta imune contra as células tumorais. Para conseguir isso, a vacina explora a função de um tipo celular chamado célula dendrítica. Ela é a mais eficiente para a função e está alterada nos pacientes com câncer.
Como a vacina é produzida?
Para prepará-la, são produzidas células dendríticas em laboratório, a partir de células de um doador sadio. Uma vez obtidas, as células dendríticas ''sadias'' são usadas para preparar a vacina. Ao entrar em contato com a célula tumoral do paciente, a vacina desencadeia a resposta imune e consegue impedir o crescimento do tumor em cerca de 80% dos pacientes.
A vacina é capaz de impedir o crescimento de novos tumores?
Não, pois seu mecanismo de ação ativa o sistema imune para reconhecer e combater células tumorais que são apresentadas pelas células dendríticas na vacina. Assim, não é possível impedir o aparecimento de novas células tumorais completamente diferentes.
Quem pode se beneficiar do tratamento?
A vacina foi testada, principalmente, em pacientes em fase metastática - com a doença espalhada pelo corpo. Teoricamente, ela poderia ser benéfica também em quadros não tão avançados. Nesse caso, o acompanhamento dos pacientes deve ser mais prolongado, antes de tirarmos conclusões sobre a eficácia.
Como foram os testes e experiência clínica?
Os testes em voluntários começaram em 2001. Tratamos pacientes com doença metastática portadores de melanoma ou câncer renal. Eles receberam pelo menos duas doses da vacina e, depois, mais uma a cada seis semanas, enquanto o quadro permanecesse ou até que se esgotassem as células tumorais obtidas para a preparação da vacina. Cerca de 80% dos pacientes obtiveram benefício clínico, apresentando estabilização da doença por um período mínimo de três meses. O tempo de estabilização foi, em média, de seis meses, mas houve doentes com respostas mais duradouras, superando os 20 meses. Uma vez que a vacina não provoca efeitos colaterais significativos, pode-se dizer que os pacientes vacinados experimentaram uma qualidade de vida muito boa durante o tratamento e, aparentemente, tiveram um aumento da sobrevida.
Ela pode substituir tratamentos como a quimioterapia?
Não. A vacina atua aumentando as chances do paciente de vencer a luta contra o câncer, pois transforma o sistema imunológico em um aliado a mais na briga. Mas há uma ressalva: embora ela não exclua outras formas de tratamento, seu uso durante a quimioterapia não é indicado.
A vacina já está disponível no mercado?
Ela é oferecida como mais um tratamento médico, sob indicação do oncologista. Como o número de doses depende da resposta do doente e da quantidade de células tumorais obtidas em sua preparação, não se pode estabelecer um valor total para o tratamento. Mas o custo de cada dose gira em torno de R$ 3.500. É importante notar que para verificar algum efeito da vacina são necessárias pelo menos duas aplicações.
Existe a possibilidade de se criar vacinas similares para outros tipos de câncer?
Sem dúvida. O racional por trás desta vacina se aplica a qualquer tipo de câncer. Na verdade, vacinas semelhantes contra os mais variados tipos de câncer estão sendo estudadas ou desenvolvidas tanto por nós, quanto por diversos centros de pesquisa no mundo.