Título: Filme comunitário revela talentos
Autor: Danyella Proença
Fonte: Jornal do Brasil, 21/05/2005, Brasília, p. D6

Pré-estréia na UnB mostra a dura realidade do Varjão interpretada por quem vive o dia-a-dia da violência e da pobreza

Marcações de luz, ensaios, movimentação de atores, instruções atentas do diretor. Durante cerca de três meses, moradores do Varjão viveram uma rotina pouco usual. O dia-a-dia da cidade, com cenas corriqueiras de violência e pobreza, foi encenado pela comunidade. Ficção e realidade em simbiose, o cenário do local foi aos poucos se transformando em fundo para as filmagens do curta-metragem Um olhar sobre o Varjão, do diretor Gil Acauã. Moradores que nunca haviam tido contado com interpretação deram vida a personagens palpáveis, com conflitos muito semelhantes aos deles. Ontem, os atores viram, pela primeira vez, o resultado da experiência. O filme foi exibido na Universidade de Brasília (UnB), como parte da programação do Núcleo de Vídeo Comunitário.

Foram necessárias três kombis para levar os participantes ao anfiteatro da UnB, que ficou lotado de espectadores. Segundo o diretor Gil Acauã, que acompanhou a sessão, a auto-estima fortalecida dos participantes era visível em cada rosto. Todos orgulhosos do trabalho desempenhado e cheios de planos para novos projetos artísticos.

A exibição na UnB marcou um retorno ao local em que tudo começou. Não fossem as discussões realizadas na disciplina Comunicação Comunitária, o projeto não teria saído do papel. O aluno especial Gil Acauã, de 33 anos, conta que a base acadêmica foi fundamental para estabelecer uma ponte com a comunidade do Varjão.

Comandada pelo professor Fernando Paulino, a disciplina já gerou diversos projetos que beneficiaram a cidade. A iniciativa na área do audiovisual veio da paixão de Acauã pela linguagem do cinema e, sobretudo, da intenção de dar oportunidades para que os moradores pudessem descobrir e desenvolver seu talento que se mostrou inato.

Com a idéia central do filme na cabeça, o diretor acabou conhecendo o líder comunitário João Costa, que fez o papel de produtor e mobilizou a comunidade em torno do projeto. O mote da história era simples: um jornalista procura o tio de um famoso traficante para obter informações sobre a saga do homem que aterrorizou o Varjão. As imagens que vão sendo conduzidas pela narração do tio contam a história do bandido desde a infância, passando pelo contato com as drogas e culminando com a morte trágica, assassinado por um grupo rival. O roteiro foi elaborado em parceria com a comunidade, que participou das diversas oficinas e colaborou com sugestões tiradas da vida real.

Ao todo, 30 pessoas participaram de toda a filmagem, que durou de setembro ao início de dezembro. O resultado foram R$ 4 mil desembolsados pelo diretor Gil Acauã, um curta-metragem de 30 minutos e a auto-estima dos participantes renovada. Acauã conta que ouviu de muitos atores frases como ''hoje eu não quero mais roubar'', ''agora sei o valor da minha imagem'' e, repetidas vezes, ''descobri que meu sonho é atuar''. Um saldo para lá de positivo para um projeto que não contou com nenhum apoio financeiro:

- O Varjão tem muitos talentos na área de cinema que estão sendo perdidos. É uma questão de oportunidade, de verem que são competentes. O filme pode não ter ajudado a melhorar as condições financeiras deles, mas sinto que abriu uma perspectiva. O problema é que são projetos isolados. Hoje, um ator do filme está preso porque acabou voltando para o tráfico. Se o trabalho parar, o cara volta. Temos que pensar em uma coisa contínua, um programa de capacitação para a comunidade - destaca o diretor, que agora se prepara para rodar um média-metragem.