Título: Agência tem acesso restrito a usina nuclear
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 20/10/2004, País, p. A-2

Técnicos avaliam possibilidade de inspeção nos moldes propostos pelo Brasil

RESENDE, RJ - Três técnicos da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), ligada à ONU, fizeram ontem, durante seis horas e meia, uma vistoria na fábrica de enriquecimento de urânio em Resende, no Estado do Rio. O grupo seguiu os critérios técnicos propostos pelo governo brasileiro em setembro e viu apenas os pontos de amostragem, as conexões e as tubulações, sem acesso às centrífugas. Também foram vistos outros módulos da fábrica de combustível nuclear. O objetivo da visita era avaliar a possibilidade de inspeção dessa forma.

A missão, comandada por um americano e composta ainda por um francês e uma sul-africana - nomes e cargos não foram divulgados - começou por volta das 11h. O grupo foi acompanhado por três técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e três da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc).

Os técnicos mantiveram-se a 22 centímetros das centrífugas, das quais ficavam separados por um painel. O Brasil não aceita mostrá-las sob a alegação de que o modelo desenvolvido tem avanços tecnológicos que devem ser guardados em sigilo. A Aiea afirma temer que o país use a técnica de enriquecimento de urânio para a produção de armas nucleares, o que iria contra tratados internacionais assinados pelo governo brasileiro.

Desde o início de abril, quando tiveram início as negociações para a inspeção, a Aiea insistia em ter acesso irrestrito às centrífugas. Com o impasse, os dois lados resolveram ceder um pouco. O Brasil permitiu uma visão maior das tubulações, válvulas e conexões ligadas às centrífugas. A agência aceitou ir a Resende para verificar a possibilidade de fazer o trabalho nesses moldes.

Sempre acompanhada por brasileiros, a equipe da Aiea percorreu a unidade de enriquecimento de urânio por toda o dia, encerrando seus trabalhados por volta das 17h30. Pararam para almoçar peixe com pirão no restaurante da fábrica. Saíram sob forte chuva.

Em reunião marcada para hoje, os técnicos da agência internacional darão o veredicto aos membros da CNEN. Se considerarem que a inspeção é possível, uma nova equipe deve chegar ao Brasil em cerca de 15 dias.

A fábrica da INB (Indústrias Nucleares do Brasil) foi construída numa área de 600 hectares de uma antiga fazenda. Entre árvores, gramados bem-aparados e casas em estilo colonial, onde fica a parte administrativa, erguem-se dois imensos prédios de concreto em forma de caixotes.

A unidade onde o urânio será enriquecido, com 25 mil m², é a que interessa à Aiea. Atualmente, o urânio extraído do Brasil é enviado ao Canadá para ser transformado em gás. Viaja à Europa (Alemanha, Holanda ou Inglaterra) para ser enriquecido, voltando, então, ao Brasil.

Nos dois módulos já em operação nessa unidade de Resende, o gás é transformado em pó e, posteriormente, em pastilhas. Quando o terceiro módulo, onde estão as centrífugas de enriquecimento de urânio, estiver funcionando, a etapa européia será aos poucos abandonada. Para operar, o Brasil espera a aprovação da Aiea.

O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Farmacêuticas do Sul Fluminense aproveitou a vistoria para estender cinco faixas de protesto na entrada da fábrica. Uma delas dizia: ''Se a alta tecnologia que temos desperta tanto interesse internacional, devemos ter salários compatíveis''.

O sindicato reivindica 65,47% de aumento. A INB não fez ainda uma contraproposta. A fábrica tem 411 funcionários, sem contar os terceirizados. Segundo a INB, a média salarial é R$ 1.400. Um engenheiro tem um salário inicial de R$ 2.730, com adicionais.